Está em alta: dicas de influencers para diminuir o pavor de voar
No mundo digital, criou-se o pequeno fenômeno

De Gabriel García Márquez (1927-2014), o colombiano Nobel de Literatura, em um artigo publicado no início dos anos 1980: “O único medo que nós, latinos, confessamos sem vergonha e até com um certo orgulho machista é o medo de avião. Talvez porque seja um medo diferente, que não existe desde nossas origens, como o medo do escuro ou o próprio medo de que se perceba que sentimos medo. Pelo contrário: o medo de avião é o mais recente de todos, pois só existe a partir do momento que se inventou a ciência de voar”. Ele preferia 100 anos de solidão a ter de embarcar em um canudo de alumínio. Outras personalidades embebidas de paúra nos céus abriram o coração e revelaram o pânico, porque, na altitude, o sistema límbico agita-se a não mais poder, o cérebro embotado de pavor.
O jogador de futebol Dennis Bergkamp — o “holandês que não voa” — fez incluir uma cláusula em seu contrato com o Arsenal, da Inglaterra, em 1995, que pressupunha deslocamentos, prioritariamente, em trem ou carro. O incômodo era tanto que em muitas partidas, segundo relatou em sua autobiografia, distraía-se dos jogos, nos minutos finais, olhando para as nuvens, em busca de entender se o tempo seria chuvoso ou claro quando tivesse de decolar. O arquiteto Oscar Niemeyer só ia para o exterior de navio, e do Rio a Brasília, em ida e volta, somente em cima de quatro rodas. O guitarrista americano B.B. King exigia ônibus (grande e ruidoso, para ele e a trupe completa), de modo a levá-lo de lá para cá em chão firme. Tom Jobim, com sua proverbial ironia, dizia não dar para confiar em um treco inventado por um brasileiro, para então concluir, com mordacidade: “O problema do avião é que, quando ele dá defeito, é sempre lá em cima. E a oficina é embaixo”.

Cá em terra firme, há agora um pequeno fenômeno, desses que viralizam nas redes sociais, até que desponte outro: os vídeos, especialmente no TikTok, com conselhos (simples, quase óbvios, mas úteis) para perder o medo de voar. Há imenso interesse. A influencer australiana Anna Paul (6 milhões de seguidores) sugere respirar com calma, afastar os pensamentos negativos e nada de apelar para o álcool e para ansiolíticos. Ela patenteou uma peça que revela uma curiosa analogia visual: uma bola de papel dentro de um pote com gelatina — a bolinha seria uma aeronave e a gelatina, a massa de ar que a sustenta. Ela aperta o doce e mostra que, tal qual as turbulências, por mais que force o pedacinho de papel, não há como derrubá-lo. A massa de ar (a gelatina) sustenta o avião (a bolinha). O espanhol Alfonso de Bertodano, ex-comandante de Boeing 787 (200 000 seguidores), faz sucesso dissertando sobre as raízes psicológicas da fobia e a tecnologia embarcada. O inglês Flyman Simon propõe em reels dormir bem na véspera e trocar umas palavras com a tripulação antes da decolagem. “O medo faz parte da condição humana, mas é possível oferecer conforto sem sofrimento”, diz a psicóloga Fernanda Pamplona de Queiroz, que há dez anos lidera o Voe Psicologia, companhia paulistana que usa recursos de terapia comportamental com simuladores, como os manejados por pilotos. A Voe Psicologia decolou.
A estatística é categórica: cerca de 2% a 3% das pessoas em países desenvolvidos têm aerofobia clínica: um medo intenso e irracional de voar. Os sintomas incluem aumento da pressão arterial, hiperventilação, distúrbios gástricos e ataques de pânico. Os sofredores geralmente sabem que viajar de avião é uma das formas mais seguras de transporte, mas são incapazes de se livrar da ansiedade causada pela ideia de que a aeronave vai cair ou que perderão o autocontrole. O desconforto severo é compartilhado por viajantes com claustrofobia ou transtorno de estresse pós-traumático, que podem não necessariamente se qualificar como aerofóbicos, mas temem uma travessia de dez horas na classe econômica. Há muitos passageiros — um quarto dos americanos, segundo estimativas recentes — que simplesmente se sentem desconfortáveis com a ideia de estar presos no veículo de mais de 100 toneladas voando pela estratosfera a centenas de quilômetros por hora. Quando a turbulência está jogando você de um lado para o outro, é difícil ficar convencido da física do fenômeno ou reconhecer a estatística de fatalidades historicamente baixas: estudo da Universidade de Oxford calcula que as chances de morte em acidente de carro, tendo como base o Reino Unido, é de uma em 36 512; o risco de perder a vida dentro de uma aeronave é de um para 3,5 milhões. E daí?

Daí que os números, na fria certeza do que revelam, ajudam, mas não resolvem o problema, que brota até mesmo entre as tripulações. Uma pesquisa com 1 000 tripulantes sugeriu que 10% demonstram ansiedade. Não há solução mágica, mas quanto mais informação for disseminada — neste caso, ufa, as redes sociais têm prestado bom serviço — maiores as chances de calmaria. E, ainda assim, se o resultado não for obtido com concentração e cuidado mentais (funcionam!), lembremos dos recursos de García Márquez, um pé na ciência, outro na fé. Ele viajava escutando música, com fones que o isolavam da barulheira a bordo; e por via das dúvidas pedia para a mãe acender uma vela. E fazia uma derradeira sugestão: “O amor é o melhor remédio contra o medo de avião, faça amor quantas vezes for possível quando estiver voando”.
Publicado em VEJA de 22 de agosto de 2025, edição nº 2958