Ícone de fechar alerta de notificações
Avatar do usuário logado
Usuário

Usuário

email@usuario.com.br
Mês dos Pais: Revista em casa por 7,50/semana

Está em alta: dicas de influencers para diminuir o pavor de voar

No mundo digital, criou-se o pequeno fenômeno

Por Fábio Altman Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 24 ago 2025, 08h00

De Gabriel García Márquez (1927-2014), o colombiano Nobel de Literatura, em um artigo publicado no início dos anos 1980: “O único medo que nós, latinos, confessamos sem vergonha e até com um certo orgulho machista é o medo de avião. Talvez porque seja um medo diferente, que não existe desde nossas origens, como o medo do escuro ou o próprio medo de que se perceba que sentimos medo. Pelo contrário: o medo de avião é o mais recente de todos, pois só existe a partir do momento que se inventou a ciência de voar”. Ele preferia 100 anos de solidão a ter de embarcar em um canudo de alumínio. Outras personalidades embebidas de paúra nos céus abriram o coração e revelaram o pânico, porque, na altitude, o sistema límbico agita-se a não mais poder, o cérebro embotado de pavor.

O jogador de futebol Dennis Berg­kamp — o “holandês que não voa” — fez incluir uma cláusula em seu contrato com o Arsenal, da Inglaterra, em 1995, que pressupunha deslocamentos, prioritariamente, em trem ou carro. O incômodo era tanto que em muitas partidas, segundo relatou em sua autobiografia, distraía-se dos jogos, nos minutos finais, olhando para as nuvens, em busca de entender se o tempo seria chuvoso ou claro quando tivesse de decolar. O arquiteto Oscar Niemeyer só ia para o exterior de navio, e do Rio a Brasília, em ida e volta, somente em cima de quatro rodas. O guitarrista americano B.B. King exigia ônibus (grande e ruidoso, para ele e a trupe completa), de modo a levá-lo de lá para cá em chão firme. Tom Jobim, com sua proverbial ironia, dizia não dar para confiar em um treco inventado por um brasileiro, para então concluir, com mordacidade: “O problema do avião é que, quando ele dá defeito, é sempre lá em cima. E a oficina é embaixo”.

CONSTATAÇÃO - Gabriel García Marquez:
CONSTATAÇÃO – Gabriel García Marquez: “O único medo que os latinos admitem” (Ulf Andersen/Getty Images)

Cá em terra firme, há agora um pequeno fenômeno, desses que viralizam nas redes sociais, até que desponte outro: os vídeos, especialmente no TikTok, com conselhos (simples, quase óbvios, mas úteis) para perder o medo de voar. Há imenso interesse. A influencer australiana Anna Paul (6 milhões de seguidores) sugere respirar com calma, afastar os pensamentos negativos e nada de apelar para o álcool e para ansiolíticos. Ela patenteou uma peça que revela uma curiosa analogia visual: uma bola de papel dentro de um pote com gelatina — a bolinha seria uma aeronave e a gelatina, a massa de ar que a sustenta. Ela aperta o doce e mostra que, tal qual as turbulências, por mais que force o pedacinho de papel, não há como derrubá-lo. A massa de ar (a gelatina) sustenta o avião (a bolinha). O espanhol Alfonso de Bertodano, ex-comandante de Boeing 787 (200 000 seguidores), faz sucesso dissertando sobre as raízes psicológicas da fobia e a tecnologia embarcada. O inglês Fly­man Simon propõe em reels dormir bem na véspera e trocar umas palavras com a tripulação antes da decolagem. “O medo faz parte da condição humana, mas é possível oferecer conforto sem sofrimento”, diz a psicóloga Fernanda Pamplona de Queiroz, que há dez anos lidera o Voe Psicologia, companhia paulistana que usa recursos de terapia comportamental com simuladores, como os manejados por pilotos. A Voe Psicologia decolou.

A estatística é categórica: cerca de 2% a 3% das pessoas em países desenvolvidos têm aerofobia clínica: um medo intenso e irracional de voar. Os sintomas incluem aumento da pressão arterial, hiperventilação, distúrbios gástricos e ataques de pânico. Os sofredores geralmente sabem que viajar de avião é uma das formas mais seguras de transporte, mas são incapazes de se livrar da ansiedade causada pela ideia de que a aeronave vai cair ou que perderão o autocontrole. O desconforto severo é compartilhado por viajantes com claustrofobia ou transtorno de estresse pós-traumático, que podem não necessariamente se qualificar como aerofóbicos, mas temem uma travessia de dez horas na classe econômica. Há muitos passageiros — um quarto dos americanos, segundo estimativas recentes — que simplesmente se sentem desconfortáveis com a ideia de estar presos no veículo de mais de 100 toneladas voando pela estratosfera a centenas de quilômetros por hora. Quando a turbulência está jogando você de um lado para o outro, é difícil ficar convencido da física do fenômeno ou reconhecer a estatística de fatalidades historicamente baixas: estudo da Universidade de Oxford calcula que as chances de morte em acidente de carro, tendo como base o Reino Unido, é de uma em 36 512; o risco de perder a vida dentro de uma aeronave é de um para 3,5 milhões. E daí?

Continua após a publicidade
DIDATISMO - A australiana Anna Paul no TikTok: turbulência é normal
DIDATISMO - A australiana Anna Paul no TikTok: turbulência é normal (//Reprodução)

Daí que os números, na fria certeza do que revelam, ajudam, mas não resolvem o problema, que brota até mesmo entre as tripulações. Uma pesquisa com 1 000 tripulantes sugeriu que 10% demonstram ansiedade. Não há solução mágica, mas quanto mais informação for disseminada — neste caso, ufa, as redes sociais têm prestado bom serviço — maiores as chances de calmaria. E, ainda assim, se o resultado não for obtido com concentração e cuidado mentais (funcionam!), lembremos dos recursos de García Márquez, um pé na ciência, outro na fé. Ele viajava escutando música, com fones que o isolavam da barulheira a bordo; e por via das dúvidas pedia para a mãe acender uma vela. E fazia uma derradeira sugestão: “O amor é o melhor remédio contra o medo de avião, faça amor quantas vezes for possível quando estiver voando”.

Publicado em VEJA de 22 de agosto de 2025, edição nº 2958

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

MELHOR OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
De: R$ 16,90/mês
Apenas 9,90/mês*
OFERTA MÊS DOS PAIS

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai por menos de R$ 7,50)
De: R$ 55,90/mês
A partir de 29,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.