Tomei coragem de falar abertamente sobre minha orientação sexual depois de um longo processo. Como qualquer pessoa que se descobre gay, passei por momentos de incompreensão, dor, preconceito e violência. Durante anos, anulei parte de mim e me silenciei por medo da opinião pública. Em uma sociedade conservadora como a nossa, a homofobia não se revela apenas na agressão física, mas de várias e perversas formas. Compreendi que, mesmo no meio artístico, não era infundado o receio de ser estigmatizado ou perder um trabalho simplesmente porque a pessoa encarregada de escalar o elenco era preconceituosa. Desde o início da carreira fui aconselhado por agentes, empresários, diretores e até por meus pais (os atores Antonio Fagundes e Mara Carvalho), também vítimas de uma questão estrutural, a não me assumir. Embora muitos homossexuais passem a vida inteira se escondendo, isso me incomodava — me impedia de existir plenamente. Hoje, ao falar publicamente, sei que posso ajudar os outros, mostrando que nosso desejo não tem nada de errado ou vergonhoso.
Chegar a esse ponto não foi fácil. Ainda que as pessoas ao meu redor soubessem, morria de medo de ser descoberto, de que vazasse algo sem estar preparado. Uma vez, num programa ao vivo, uma pessoa tentou me arrancar do armário dizendo: “Você é gay, por que não fala?”. Neguei. Foi tão agressivo que voltei para casa passando mal. Neste ano, vários fatores me fizeram expor meu namoro com o ator Igor Fernandez. À base de muita terapia e com a maturidade, aprendi a não me importar tanto com o que dizem. É claro que o atual estágio da minha carreira e o reconhecimento depois de ter feito novela, série, cinema e teatro influenciaram. Mas foi a peça A Herança (de volta ao palcos paulistanos em junho), a que assisti na Broadway e da qual adquiri os direitos, o maior gatilho. O espetáculo, que traça um panorama profundo sobre o que é ser gay do século passado aos dias de hoje, me virou do avesso e me fez repensar a necessidade de naturalizar a questão.
Esse processo se desenrola desde que percebi que sentia atração por pessoas do mesmo sexo, por volta dos 9 anos. Mesmo vindo de uma família de artistas, tida como mais aberta, demorei a verbalizar minha orientação e, quando aconteceu, foi bastante conturbado. São pais, né? Entendo que eles são fruto desse sistema, perderam amigos para a aids e, como qualquer pai e mãe, projetam ideais para os filhos. A reação dos dois foi parecida: primeiro de surpresa, depois um pouco de confusão e, aí sim, veio a aceitação. Isso não aconteceu de imediato. Precisaram de tempo, e hoje são grandes aliados contra a lgbtfobia. Mas, no meio da adolescência, me sentia oprimido. Estudava em colégio católico, supercareta, e vivia sob o olhar público. Meu pai estava no auge da fama e havia imensa curiosidade sobre a nossa vida, a ponto de sermos perseguidos na rua. Se não fosse o apoio de três ou quatro amigos da escola, que também eram homossexuais e me ajudaram a ver que eu não era uma aberração, nem sei o que teria sido.
Mesmo na minha condição privilegiada, não fiquei imune ao preconceito velado, às piadinhas, assim como isso não me impediu de sofrer um grande trauma. Alguns anos atrás, eu e dois amigos fomos atacados por um grupo de skinheads à noite, em plena Avenida Paulista. Do nada, recebi um soco na nuca, um chute nas costelas e comecei a ser espancado. Fiquei todo machucado e só não ocorreu o pior porque conseguimos correr e nos abrigar num prédio. O chocante é que passavam pelo local motoristas que, no lugar de fazer alguma coisa, gritavam: “Mata, mata esses veados”. Tinha uns 20 anos e meu pai nunca ouviu da minha boca essa história. Só consegui falar sobre o assunto no ano passado. Depois de tudo, hoje posso dizer, sem medo, como foi libertador me assumir. Tenho orgulho de quem sou eu.
Bruno Fagundes em depoimento dado a Sofia Cerqueira
Publicado em VEJA de 10 de maio de 2023, edição nº 2840