Não há espião mais charmoso do que ele. Roupas bem cortadas, cabelo impecável, apreciador da boa mesa, perfeito no trabalho e um contido, porém indisfarçável, sotaque britânico garantem a James Bond, o icônico personagem criado pelo escritor britânico Ian Fleming (1908-1964), a mais longeva carreira do cinema em filmes do gênero. O primeiro, 007 contra o Satânico Dr. No, de 1962, e lá se vão sessenta anos, deu início a uma das mais bem-sucedidas franquias das telas — 25 filmes, com mais de 10 bilhões de dólares arrecadados, seis prêmios Oscar e quatro Globo de Ouro. Bond, o agente de Sua Majestade — e Sua Majestade foi sempre Elizabeth II — é pop.
Em torno dele, e depois de tanta vivência, foi criado um universo próprio preenchido por objetos, roupas e acessórios. Algumas dessas relíquias, a maioria usada em cena por um dos seis atores que deram vida ao espião — Sean Connery, George Lazenby, Roger Moore, Timothy Dalton, Pierce Brosnan e Daniel Craig —, estão em leilão na casa inglesa Christie’s como parte das celebrações pelas seis décadas do querido personagem no cinema.
Foram escolhidos itens de todos os filmes. Dividido, o evento terá uma parte presencial, ao vivo, que acontece em 28 de setembro, em Londres, com 25 lotes compostos de veículos, relógios e figurinos, a maioria relacionada ao filme 007 — Sem Tempo para Morrer, do ano passado. Entre os produtos, está o Aston Martin DB5, com câmbio manual e sistema de freios e suspensão personalizados, especialmente desenvolvidos pela montadora britânica com o apoio do mago Chris Corbould, supervisor de efeitos especiais do longa. O preço de saída para arrematar a máquina é de 8 milhões de reais. O restante engloba 35 lotes que estão sendo vendidos virtualmente — os lances podem ser dados até o dia 5 de outubro. Eles se dividem em pôsteres e peças, como um menu que Bond usa em uma cena de 007 contra a Chantagem Atômica (1965) para pedir caviar beluga e champanhe no Café Martinique, nas Bahamas. O lance inicial é de 4 700 reais. O item é um dos três objetos a ser vendidos que remetem aos longas protagonizados pelo ator escocês Sean Connery (1930-2020), até hoje considerado por muitos a melhor versão do agente. Connery fez seis filmes, incluindo o primeiro, até Os Diamantes São Eternos, de 1971. Os outros dois objetos à disposição são pôsteres de 007 contra Goldfinger, de 1964, e de Os Diamantes São Eternos.
Desde que surgiu, Bond nunca deixou da fascinar. Duas características, inquestionavelmente, estão na origem de sua capacidade de atração. O humor de fino trato e a empatia discreta, porém sedutora. Contudo, há algo mais forte: ele abre para o mundo do cotidiano ordinário e enfadonho uma fresta de onde o homem comum pode espiar um universo — fictício, é verdade — habitado por gente que passa os anos a rodar o mundo salvando o planeta metida em smokings, carrões e na companhia de belíssimas mulheres. “As pessoas que acompanham o 007 têm essa fantasia do super-herói real”, diz a atriz, cineasta e apresentadora Marina Person. Mas, como Bond mesmo sabe, tudo muda muito rapidamente. Não é por outra razão que ele apareceu no último filme, encarnado por Craig, como uma figura menos onipotente, até vulnerável, pode-se dizer, às emoções do amor — um salto evolutivo e necessário em relação aos Bond antigos. E o James Bond como o conhecíamos dos últimos sessenta anos já não é o mesmo de antes, sacrificando-se para salvar Madeleine, a paixão de sua vida, e Mathilde, a filha do casal. Os cinéfilos esperam agora saber quem será o novo 007. Quem sabe, uma mulher. Quem sabe, em vez de carrão, bicicletas? E certamente a serviço, agora, não mais da rainha, mas de um rei, Charles III.
Publicado em VEJA de 28 de setembro de 2022, edição nº 2808