Maioria das brasileiras não tem o chamado corpo ‘violão’, diz pesquisa
Segundo levantamento da ABNT, 76% das brasileiras têm o corpo no formato retangular, com mínima diferença entre tórax e quadril, e cintura pouco pronunciada
No imaginário popular, a brasileira típica tem quadris avantajados e cintura fina, o célebre formato “violão”, cantado em prosa e verso. Na mais conhecida “confirmação” dessa característica, a espetacular Martha Rocha (1932-2020), favorita no concurso de Miss Universo 1954, teria perdido a coroa por causa de 2 polegadas no quadril acima do permitido (uma balela inventada por um fotógrafo e só desmentida por ela décadas mais tarde). Agora, uma pesquisa minuciosa, elaborada com o propósito de definir um padrão de tamanhos para as confecções, põe abaixo esse mito. Segundo levantamento da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), 76% das brasileiras têm o corpo no formato retangular, com mínima diferença entre tórax e quadril, e cintura pouco pronunciada. Na forma de “colher”, que mais se aproxima na pesquisa ao “violão”, estão apenas 5% das brasileiras. “O corpo ‘violão’, explorado no cinema, na música e na propaganda, nunca foi o padrão daqui. A realidade do Brasil é mais complexa, por resultar da miscigenação de europeus, africanos e indígenas”, explica Denise Bernuzzi de Sant’Anna, historiadora da PUC-SP.
Para coletar seus dados, a ABNT transportou Brasil afora um body scanner, equipamento capaz de medir com precisão 116 partes do corpo humano, pelo qual passaram 6 400 mulheres ao longo de cinco anos. As medições apontaram cinco biótipos principais, predominando, de longe, o “retângulo” — que independe de peso e altura e culmina nas impecáveis proporções do corpo da modelo Gisele Bündchen. A estrutura corporal, ao contrário do formato dos olhos e do tipo de cabelo, não é imutável e depende do meio em que se vive — segundo pesquisas, 40% dela é genética e 60%, moldada por fatores ambientais. “Os hábitos locais influenciam a maneira de lidar com o corpo e a forma que ele vai assumir”, afirma o geneticista Salmo Raskin.
Os concursos de miss, a partir dos anos 1950, foram os impulsionadores do mito da mulher-violão, ao privilegiar a cintura fina e os quadris e coxas largos, que eram o padrão de beleza na época. Mas o rótulo viria a colar definitivamente nas brasileiras nas campanhas turísticas promovidas pelo governo no exterior, sobretudo entre 1960 e 1980. Nelas, a imagem do “paraíso tropical” sempre trazia na linha de frente mulheres com pouca roupa e quadris e retaguarda exuberantes, mensagem sexista e degradante que acabou sendo apagada na propaganda e em outras frentes. Hoje em dia, “violões” como Kim Kardashian, Beyoncé e a brasileira Iza exibem suas formas como prova de força feminina, com orgulho e proposital descaramento.
No que se refere a seu objetivo inicial, a ABNT espera que, de posse dos resultados da pesquisa, as confecções possam padronizar os tamanhos das peças femininas, de maneira que um P ou G tenham aproximadamente as mesmas medidas em todas as marcas. “A intenção é conseguir unificar os padrões”, diz Maria Adelina Pereira, superintendente do Comitê Brasileiro de Têxteis e do Vestuário da ABNT, ampliando para os trajes delas uma uniformização que já existe para roupas masculinas e infantis. Como não há regulação atualmente, cada marca usa o molde que bem entende. A orientação da ABNT é que, junto com os tradicionais P, M e G e outras indicações de tamanho, a etiqueta inclua a medida em centímetros de busto, cintura e quadril aos quais a roupa se destina. Além de facilitar a vida das consumidoras, a uniformização dará maior eficiência às vendas por comércio eletrônico, em que, na falta de provador, 10% das compras são devolvidas. Grandes redes varejistas, como Renner e Amaro, já anunciaram que vão aderir à nova padronização, que não é obrigatória. “Ela vai contribuir para dar mais segurança à cliente”, diz Fernanda Feijó, diretora de estilo da Renner. Boa notícia para a brasileira, seja ela “retângulo”, “colher” ou qualquer outra configuração.
Publicado em VEJA de 9 de março de 2022, edição nº 2779