Menos bebidas alcoólicas e baladas: a ideia de diversão da geração Z
Ao contrário dos jovens notívagos de outras eras, eles deixaram de ser, pela primeira vez, a fatia da população que mais consome álcool — aqui e no mundo
Nos anos 1960, embalada pelo tripé sexo, drogas e rock’n’roll, a juventude mundo afora saía às ruas para agitar bandeiras em prol dos direitos civis, se insurgia contra a Guerra do Vietnã e abraçava os ideais do movimento hippie numa vida em que quebrar regras constituía um valor em si. Nessa equação, cabia trocar a noite pelo dia e regar as madrugadas a álcool. O mundo caminhou, mas sempre foram eles, os jovens, os maiores consumidores de bebidas alcoólicas dentre todas as faixas etárias. Não mais. Segundo um recente relatório que examinou a questão no Brasil, conduzido pela consultoria MindMiners, 55% dos representantes da onipresente geração Z, aquela da turma nascida entre 1995 e 2010, não tocam em copos de cerveja nem taças de vinho. Os maiores consumidores agora estão concentrados perto dos 50 anos. É a primeira vez que os jovens perdem a dianteira nesse medidor, o que dá conta de uma mudança mais abrangente de hábitos, que os distancia de seus antecessores.
Com mais acesso à informação, o que lhe traz uma noção de risco, e cultivando a ideia do bem-estar em sentido amplo, a ala Z dá ao conceito de diversão novas feições. E as noites de bebedeira, definitivamente, não se encaixam nesse estilo que enaltece o dia, o exercício e põe a saúde em primeiro lugar. “No passado nem tão distante assim, o álcool era o objeto central da socialização, e quem o recusava era excluído. Agora, está claramente crescendo o grupo que resiste a essa pressão social”, observa a socióloga Mariana Thibes, coordenadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool.
Os desdobramentos se fazem sentir em vários escaninhos da sociedade, como, por exemplo, na vida noturna, que vem registrando recuo. Um levantamento do Datafolha mostra que brasileiros entre 15 e 29 anos frequentam no máximo uma vez por ano boates e afins. Metrópoles como Nova York, Berlim, Sydney e Londres testemunham declínio semelhante, com essas casas fechando as portas mais cedo ou mesmo deixando de funcionar. No Reino Unido, 75% dos chamados “locais de festa” sumiram da paisagem nas últimas duas décadas, e a balada before midnight, que termina antes da meia-noite, anda em alta.
No lugar da badalação, o que entra em cena para o pessoal de 20 e poucos anos são programas matinais e vespertinos jamais imaginados pelos jovens notívagos de outras eras. Cafés da manhã na rua, prática de exercício ao nascer do sol e sessões de cinema estão no cardápio dessa geração diurna. Às vezes, é a própria experiência que os leva a trilhar essa rotina, como ocorreu com a estudante de medicina Manuela Cit, 20 anos, que, na adolescência, começou a beber de quinta a domingo. Mas, como integrante da geração Z que é, concluiu que não gostava dos sintomas da ressaca. Eles freavam sua energia. “Eu só queria saber de curtição e até vício por cigarro eletrônico desenvolvi. Aí parei completamente com tudo e estou feliz assim”, conta ela, que, também em decisão típica entre seus pares, passou a compartilhar nas redes sua transformação e já contabiliza 1,6 milhão de seguidores. “Meus amigos preferem se encontrar para tomar café a sair para beber à noite”, arremata.
As novas demandas dessa crescente turma estão fazendo o mercado se mexer, o que impulsiona um nicho de produtos com zero álcool. É o caso das bebidas intituladas adaptogênicas, produzidas à base de plantas que simulam o sabor e o efeito do álcool (com menos intensidade). Esses drinques de mentirinha fazem uso de compostos como guaraná e até de cogumelos para ativar os mesmos neurotransmissores que as versões originais. A expectativa é de que essa prateleira salte em faturamento, alcançando a casa dos 20 bilhões de dólares na próxima década, cifra puxada pelo consumo sobretudo entre ingleses e americanos. Faz todo o sentido que a indústria, atenta aos números, abra novas frentes. Na França, os especialistas atribuem a queda na venda de vinhos, a bebida nacional, a dois fatores: mais gente opta por cerveja, e os jovens estão cada vez mais desinteressados das taças — em vinte anos, o contingente dos que nunca provaram um tinto ou um branco subiu de 4% para 20%. Nos Estados Unidos, eram 20% os que não ingeriam álcool em 2020, hoje são 28%.
Não é apenas a saúde física que move a geração Z rumo a uma existência com pouco ou nenhum álcool — a saúde mental, que está na ordem do dia para eles, é outro importante componente nessa escolha. Muitos dizem que as bebedeiras acabam interferindo no equilíbrio que tanto buscam, algo que a ciência corrobora, ao estudar dosagens frequentes e elevadas. “O cérebro está em desenvolvimento até os 25 anos, mais ou menos. Nessa fase, a exposição ao álcool traz mais risco de desencadear ansiedade, desregulação emocional e vício”, explica o psiquiatra da infância e adolescência Guilherme Polanczyk, professor da Faculdade de Medicina da USP. Pesando prós e contras, o fisioterapeuta Luigi Sanci, 25 anos, que nunca foi muito fã de bebida, prefere ficar longe do copo. “Não gosto da ideia de perder o controle, passar mal, essas coisas”, diz.
Um outro fator que acaba por reduzir o consumo tem raízes em um traço comum dessa geração: ela sai menos de casa por viver imersa nas redes — o que em graus excessivos naturalmente preocupa os especialistas. “Em vez de ir para a balada, eles passam a noite conversando em chats. Essa falta de interação cara a cara é marca de uma época e pode ser danosa”, alerta Hugo Ferreira Monteiro, especialista em neuropsicologia e autor de A Geração do Quarto. Num gesto que vai na contramão, o estudante Marcus Possidonio, 23 anos, abstêmio convicto, não raro deixa o celular de lado e faz programas vespertinos altamente analógicos. “Gosto de ver filmes e de jogos de tabuleiro”, conta o estudante, que, sim, tem amigos que bebem, mas não muito. Os corações e mentes desses jovens, definitivamente, funcionam melhor à luz do dia.
Publicado em VEJA de 5 de julho de 2024, edição nº 2900