Mostra compara figurino da era georgiana com o de celebridades atuais
Evento no Reino Unido revela que vem de longe o truque de causar impacto por meio do vestuário
Atribui-se ao designer americano Aaron Burns (1922-1991) uma frase tão boa, mas tão boa, que nunca é demais repeti-la: “Você nunca tem uma segunda chance de causar uma primeira impressão”. Vale para quase tudo, mas sobretudo para o universo arrogante do show business. De vestidos em forma de candelabros a peças feitas de carne bovina, não há fronteiras para que a surpresa se renove a cada figurino. A prática, no entanto, está longe de ser uma invenção contemporânea. Hoje, o monopólio de atenções são os tais influencers, os quase famosos que pululam onipresentes nas redes sociais. Na Inglaterra da era georgiana, o papel cabia às cortesãs que frequentavam os eventos da realeza nos séculos XVIII e XIX. É comparação que ganha relevância com a exposição Crown to Couture (da Coroa à alta-costura), em cartaz no Palácio de Kensington, em Londres.
É a mostra com o maior número de peças já exibido pela Historic Royal Palaces, instituição responsável pelo acervo da moda britânica de sangue azul. São mais de 200 itens, entre vestidos de baile, trajes masculinos, acessórios e, claro, joias em profusão. Tudo disposto nas dependências da residência oficial de William e Kate. Lado a lado, como comprovação da tese de semelhança entre aquele tempo de fausto e o de hoje, estão peças antigas e modernas, como o vestido dourado usado por Beyoncé no Grammy de 2017. A peça, assinada pelo estilista norueguês radicado nos Estados Unidos Peter Dundas, tem um ornamento de cabeça que lembra uma coroa. Não por caso, foi estrategicamente posicionada em frente ao trono da Câmara de Presença, onde os convidados encontravam os monarcas. “Tanto a corte real quanto o tapete vermelho são passarelas para exibições arrebatadoras de alfaiataria”, diz Polly Putnam, uma das curadoras da exposição. “Em ambas as eras, a moda serve para impressionar.”
E impressiona, como revela a exibição londrina. Nos idos de 1800, na esteira da ampliação do número de jornais e revistas, atalho para o culto às celebridades, quem virou assunto nas altas rodas foi Lady Helen Robertson de Ladykirk, mulher de um rico dono de terras da Escócia. Em 1760, ela causou furor usando um vestido amarelo cuja mântua, a cobertura da saia aramada, tinha impressionantes 3 metros de diâmetro. Como retratado na série Bridgerton, o culote reforçado era a principal arma feminina. “Os vestidos permitiam às mulheres reivindicar seu espaço fisicamente”, diz a fashionista Melody Von Erlea. Qualquer semelhança com o volumoso vestido de tule, assinado por Oscar de la Renta e usado pela cantora Billie Eilish no Met, em 2021, não é mera coincidência. “Na justaposição, os trajes históricos e a moda moderna se confundem”, diz Claudia Acott Williams, outra das curadoras de Crown to Couture.
Convém reafirmar: se as cultuadas it girls do Instagram acham que inventaram a roda, criando tendências, é bom que elas conheçam a história da atriz inglesa Fanny Abington (1737-1815), que provocou estardalhaço ao entrar em cena, no começo da carreira, com um cabelo baixo, em vez das perucas armadas que faziam sucesso até então. Em outro espetáculo, sua personagem usava um mob cap, o gorro de pano plissado que mais tarde ficou conhecido como “touca Abington”. Apelidada de “a estilista original”, Abington escandalizava a corte ao dispensar o marido, coitado, incapaz de lidar com sua popularidade, oferecendo-lhe uma mesada para se manter afastado, enquanto se envolvia em ruidosos affairs.
Resumo da ópera: o armário de roupas e a postura como manifesto de comportamento bebem da turma georgiana. Espartilhos, luvas e rendas, tiaras e broches despontam nas vitrines e passarelas. E certamente darão a cara, com pompa e circunstância, na coroação do rei Charles III, em 6 de maio, no corpo de princesas e príncipes ou de reles mortais. A realeza é pop.
Publicado em VEJA de 26 de abril de 2023, edição nº 2838