Retratados no filme Caçadores de Obras-Primas (2014), de George Clooney, os “Monuments Men” eram um grupo de 345 pessoas de treze países que serviram no programa de Monumentos, Belas Artes e Arquivos das forças aliadas durante a II Guerra Mundial. Eram quase todos militares, encarregados de recuperar e preservar obras de arte e itens culturais roubados ou ameaçados pelas forças nazistas na Europa. Na Itália, um coletivo menos conhecido e mais informal, composto de funcionários públicos, historiadores da arte e dirigentes de museus e galerias, conseguiu salvar grande parte do patrimônio artístico do país em ações quase sempre arriscadas e heroicas. Aberta em Roma, a exposição Arte Liberata 1937-1947: Capolavori Salvati dalla Guerra conta a história desses homens e mulheres por meio dos preciosos objetos que eles mantiveram a salvo da inconsequente selvageria bélica.
Com curadoria dos historiadores de arte Luigi Gallo e Raffaella Morselli, a exposição na Scuderie del Quirinale oferece uma seleção de mais de 100 obras salvas durante a guerra de 1941 a 1945, além de um amplo panorama documental, fotográfico e de áudio — tudo reunido graças à colaboração de quarenta museus e institutos. São contempladas na mostra três grandes vertentes narrativas. A primeira, a de Exportações Forçadas e o Mercado de Arte, começa com as mudanças provocadas pela formação do eixo Roma-Berlim, em 1936. A segunda, Traslados e Abrigos, tem início após a invasão nazista da Polônia, em 1939, quando o ministro da Educação, Giuseppe Bottai, se mobilizou para proteger o patrimônio artístico. A última, O Fim do Conflito e as Restituições, acompanha as missões de recuperação e salvaguarda de obras roubadas no final da guerra.
Em todo o percurso, as obras estão ligadas aos personagens que as protegeram de ser destruídas ou que se empenharam para resgatá-las. Um caso exemplar é o do Discóbolo Lancellotti, que abre a mostra, uma estátua de mármore de um atleta se preparando para lançar um disco, cópia romana da original de bronze realizada em 450 a.C. pelo escultor grego Miron. Obcecado pela escultura, Hitler queria tê-la em mais um de seus projetos megalômanos, o Museu do Führer, nunca realizado. O ditador pressionou Mussolini para doá-la, mas o líder fascista não obteve permissão do Conselho Superior de Ciências e Artes. Então, ele mandou Hermann Göring comprá-la do proprietário, o príncipe Lancellotti. Só seria repatriada em 1948, porque o agente secreto Rodolfo Siviero convenceu o novo governo alemão a devolvê-la.
Há outras histórias ainda mais heroicas, que partiram de mulheres ousadas e zelosas do patrimônio artístico italiano. Fernanda Wittgens (1903-1957) ficou conhecida como a primeira a assumir a direção de um museu na Itália. Em agosto de 1940, ela se tornou dirigente da Pinacoteca de Brera, em Milão, ocupando o cargo que fora de Ettore Modigliani, destituído do cargo e preso por ser judeu. Wittgens não só ajudou o mentor como foi uma das centenas de pessoas que se comprometeram a inventariar e ocultar bens culturais nas regiões do Lazio, Toscana, Nápoles e Emilia-Romagna. Outra figura vital no período da guerra foi Pasquale Rotondi, um jovem historiador, superintendente das Galerias e Obras de Arte da região das Marche, que salvou 10 000 obras provenientes de Roma, Milão, Urbino e Veneza.
De fato, o resgate das obras é um trabalho magnífico. “A exposição junta, pela primeira vez, histórias de operadores individuais animados por uma forte consciência cívica e transforma a sua singularidade numa grande epopeia coletiva de paixão”, diz a curadora Rafaella Morselli. É um exemplo da necessidade de preservar e proteger um patrimônio cultural que representa não apenas bens materiais, mas a identidade de um país e a riqueza do mundo civilizado.
Publicado em VEJA de 22 de fevereiro de 2023, edição nº 2829