Em meados 2021, no auge da pandemia, um movimento nascido nos Estados Unidos prometia mudar para sempre as relações entre empresas e colaboradores. Conhecido como The Great Resignation, ou A Grande Demissão, ele espalhou-se por diversos países e levou a incontáveis pedidos de desligamento de profissionais de diversas áreas de atuação. Por que eles decidiram, como se diz no jargão corporativo, buscar novos desafios? Na verdade, o assombro causado pela Covid-19 levou muita gente a rever os aspectos mais importantes de sua vida — o trabalho certamente era um deles. Para que me submeter a um emprego tedioso se não sei quanto tempo terei para ser feliz? A nova configuração do mercado, especialmente as possibilidades trazidas pelo home office, também era um convite para largar empresas conservadoras e buscar caminhos em outras com jornadas mais flexíveis. Tudo isso parecia promissor e excitante, mas a realidade — sempre ela — se impôs. Agora, A Grande Renúncia virou O Grande Arrependimento.
Jogar tudo para o alto, afinal, não é tão empolgante assim. Uma pesquisa global realizada pela consultoria de recursos humanos Paychex constatou que 80% dos profissionais que pediram demissão gostariam de não ter feito a escolha radical. Entre os membros da geração Z, a porcentagem é ainda maior, alcançando 89%. A maioria pretende recuperar o antigo emprego e quase metade diz que está mais difícil conseguir uma vaga. Os tempos são outros. Nos Estados Unidos, havia até pouco tempo atrás uma situação de pleno emprego que fez com que os profissionais se sentissem encorajados a sair em busca de diferentes oportunidades. Atualmente, embora a taxa de desemprego continue em níveis historicamente baixos — em janeiro, era de apenas 3,4%, de acordo com a Secretaria de Estatísticas Trabalhistas —, ficou mais difícil encontrar a vaga dos sonhos.
A debacle das empresas de tecnologia, aquelas que costumam oferecer as vagas com melhor remuneração, foi um fator determinante para O Grande Arrependimento. Nos últimos meses, elas demitiram ao menos 250 000 pessoas, e muitos analistas acreditam que o número será ainda maior. Apenas a Dell, uma das maiores fabricantes de computadores do mundo, mandou embora 6 500 profissionais, o equivalente a 5% de sua força de trabalho. Alphabet, Amazon, IBM, Meta, Microsoft, PayPal, Twitter e várias outras também fizeram cortes robustos. Durante a pandemia, essas companhias aceleraram as contratações para responder à crescente demanda da nova era digital que se avizinhava. Especialmente no caso das empresas de tecnologia, a migração forçada para o ambiente digital motivou um otimismo exagerado. À medida que as pessoas voltavam a circular, contudo, as expectativas precisaram ser reajustadas. Nesse contexto, os gestores tiveram de tomar duras decisões para manter seus negócios saudáveis — o que inclui cortes de custos e, portanto, demissões.
O movimento foi sentido no Brasil. As empresas de tecnologia nacionais demitiram ao menos 6 000 funcionários do começo de 2022 até agora, segundo dados compilados pelo site Layoffs Brasil. Grandes companhias, como iFood, Loggi e C6 Bank, eliminaram várias posições. Sob a gestão de Elon Musk, o Twitter fechou o escritório brasileiro. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados no fim de fevereiro, a taxa média de desemprego em 2022 foi de 9,3%, a menor desde 2015. As perdas provocadas pela pandemia foram plenamente recuperadas pelo mercado de trabalho, mas isso só ocorreu em decorrência da precarização do emprego. Some-se a isso a inflação alta e o que se vislumbra é um cenário preocupante — e pouco estimulante para quem quer se livrar daquele chefe chato.
Não foram apenas motivações econômicas que deram origem ao Grande Arrependimento. O mercado de trabalho muda rapidamente e nem todos estão prontos para se ajustar na velocidade exigida. “Hoje em dia, o perfil do profissional é diferente de tempos atrás”, afirma Cristina Fortes, diretora de Operações e Carreira da consultoria de recursos humanos LHH. “O mundo é outro, há pressão crescente para que as companhias abracem a diversidade, os modelos híbridos de trabalho exigem flexibilidade. Nem todos se adaptam.” Um exemplo envolve o modelo remoto. Durante a pandemia, quando muitos foram obrigados a dar expediente em casa, nem sempre a performance era prioridade, dadas as circunstâncias excepcionais. Agora, é preciso entregar resultados consistentes, e se manter afastado do escritório exige um tipo de disciplina que nem todos possuem.
Para as lideranças, abandonar modelos antiquados de gestão, como o comando e o controle rígidos em relação à maneira como funcionários desempenham as suas funções, também parece ser algo desafiador. “O resultado é a dificuldade de inserção no mercado para esse perfil de profissional”, diz Fortes. Além disso, mudou a própria forma como as relações entre colegas são edificadas. No escritório, a convivência diária facilitava a construção de conexões entre as pessoas. No mundo virtual, nem todos têm as habilidades necessárias para costurar amizades e parcerias, e a dificuldade pode levar ao impulso de pedir demissão. No fundo, o Grande Arrependimento revela que as maiores decisões na vida devem ser feitas com ponderação e equilíbrio. Trocar o certo pelo incerto nem sempre é a saída mais inteligente. O ideal é pensar bem no que vai fazer para não se arrepender amargamente depois.
Uma semana mais curta
Além de temas como diversidade e adoção de modelos híbridos de trabalho, o mercado tem buscado novas estratégias para aliar produtividade a melhoria da qualidade de vida dos funcionários. Nesse cenário, a adoção da semana com quatro dias úteis passou com louvor em um teste realizado no Reino Unido. O projeto 4-Day Week Global envolveu 2 900 colaboradores de 61 empresas, que se comprometeram a manter 100% da produtividade em troca de 100% do salário, mas trabalhando apenas 80% da jornada anterior. Durante seis meses, as empresas registraram 35% de aumento na receita média e 57% menos profissionais deixaram as companhias no período. Os funcionários, claro, aprovaram a experiência: 90% disseram que querem continuar a trabalhar dessa forma e 15% afirmaram que nenhuma quantia adicional de trabalho justifica voltar à semana com cinco dias úteis. O sucesso foi tamanho que 92% das empresas que participaram do teste vão adotar o modelo de forma definitiva, e ele deve começar a ganhar ainda mais espaço no Reino Unido.
Publicado em VEJA de 15 de março de 2023, edição nº 2832