O caminho do meio: a moda é arrumar os cabelos como antigamente
Depois de muito tempo esquecida, a risca no centro é a mais nova onda no jeito de pentear a cabeleira. Ela dá mais simetria e destaque ao rosto
O sorriso da Mona Lisa não é o único mistério intrigante da mãe de todas as telas, a inescapável obra-prima de Leonardo da Vinci. O penteado da mulher nela retratada, identificada como Lisa Gherardini, moça rica de uma família de Florença, foi alvo de enigma durante muito tempo. Por anos, pensou-se que o cabelo estivesse solto, caído sobre os ombros. Descobriu-se que não. Os fios estão acomodados sob uma fina rede e repartidos ao meio, como era comum ajeitá-los por mulheres que haviam acabado de dar à luz (acredita-se que Lisa tinha tido seu segundo filho quando seu rosto foi imortalizado pelo gênio dos pincéis). O que parece um detalhe — a risca milimetricamente no centro — contribuiu para que a tela se transformasse em celebração universal do belo, ideal que pautou toda a magnífica produção artística do Renascimento, o movimento cultural que se seguiu ao fim da Idade Média (período entre os séculos V e XV) e dominou a Europa até o século XVI. Distribuídos de forma simétrica, os fios garantem ao rosto maior equilíbrio, em proporção exaltada naquele longínquo tempo histórico.
Eis que, depois de décadas abandonado, o caminho do meio voltou com tudo — nos rostos, ao menos. Cabelos lisos, cacheados, ondulados, com ou sem franja, divididos são hoje os preferidos tanto nas passarelas — foram onipresentes em boa parte das semanas de moda recentes — quanto entre toda uma turma que vai da geração Z, nascida a partir dos anos 2000, até aquelas um pouco mais velhas que não costumam deixar de surfar nenhuma onda.
Eles podem ser presos, com a risca bem marcada ou de forma irregular, ou soltos, deixando os fios esvoaçantes. Podem ainda apresentar um aspecto molhado, os chamados wet hair, com os fios totalmente alinhados, sem nenhum deles fora do lugar. Além das referências renascentistas, a moda evoca penteados que vão do romântico ao hippie, demonstrando uma versatilidade estimulante para quem gosta de mudar com frequência o jeito de arrumar a cabeleira. “A ideia é aproveitar as muitas variações, de um solto displicente até a uma trança bem elaborada”, diz o cabeleireiro Mario Nova, sócio do Hello Beauty Concept, localizado em Miami, nos Estados Unidos, que atrai beldades como a modelo americana Christina Porterj, linda com seus cachos repartidos com precisão. No Brasil, as atrizes Marina Ruy Barbosa e Isis Valverde aderiram à tendência. Fazem questão, como manda o figurino, de exibir as madeixas seguindo direitinho a risca da beleza. É um recurso simples e bonito, afeito a fazer toda Mona Lisa sorrir.
Publicado em VEJA de 23 de março de 2022, edição nº 2781