O charme nas mãos: as luvas de ópera agora enfeitam as novas gerações
Obrigatórias no visual das aristocratas do século XIX, elas sobreviveram ao tempo
Pode-se até especular que o sucesso das luvas nas recentes apresentações nas passarelas internacionais seja resquício do receio de contaminação por toque em superfícies causado pela pandemia de Covid-19. É uma falsa impressão. Nos tapetes vermelhos, nos braços e dedos de celebridades, em fenômeno alavancado por séries populares como Bridgerton e Euphoria, a tendência tem mais a ver com o desejo das gerações millennials e Z, nascidas entre 1980 e 2010, em trazer à tona o glamour de décadas passadas do que com qualquer outro movimento.
Não por acaso, os modelos que fazem mais sucesso são as chamadas luvas de ópera. Longas, acima dos cotovelos, tradicionalmente brancas, feitas de tecido ou couro, elas eram usadas por mulheres aristocráticas quando iam a concertos realizados durante o século XIX. Eram peças indispensáveis no figurino. Depois, nas décadas de 40 e 50, tornaram-se novamente sinônimo de elegância ao voltar à cena com a ajuda de Hollywood, cobrindo as mãos de estrelas como Marilyn Monroe, Audrey Hepburn e Rita Hayworth. Rita, aliás, praticamente as eternizou na lendária cena do filme Gilda (1946) na qual sua personagem simula um striptease cantando Put the Blame on Mame. As luvas eram pretas, a cor mais requisitada atualmente entre as adeptas do acessório. “Elas voltaram com tudo por serem elegantes e provocarem imediatamente a ideia de sofisticação”, diz Manu Carvalho, stylist e consultora de moda. O renascimento da beleza a vestir os dedos serve também como manifesto de uma certa euforia pela volta à vida normal com o fim da pandemia, cujo encerramento parece estar cada vez mais próximo. “O acessório representa o regresso do sexy, da vida”, afirma Manu.
Uma voltinha de mãos dadas com quem domina a moda global é comprovação do atual sucesso. As luvas foram destaque nos desfiles da Gucci, Valentino, Bottega Veneta, Fendi, Dior e Moschino. Nos eventos sociais e nas grandes premiações chamam atenção como o charme a mais que faz toda a diferença. Elas dominaram todos os tapetes vermelhos, da cerimônia do Oscar, em março, ao Festival de Cannes, no fim de maio. Têm sido utilizadas com sobriedade, em tonalidades discretas, mas nem sempre. O visual mais ousado fica por conta de peças de cores vibrantes ou com a mesma padronagem da roupa. Usadas assim, dão personalidade ao look e acrescentam o toque de modernidade ao acessório. As versões de tecidos como couro, seda, renda e tule e as feitas com brilho devem ser guardadas para ocasiões mais especiais. Como acessório da hora, as luvas de ópera também estão compondo vários figurinos de noiva, adequando-se muito bem aos modelos de vestido minimalistas, com cortes mais retos, ou aos slip dresses, que lembram camisolas.
O resultado: concedem ar vintage e romântico. Olham para o passado e para o presente simultaneamente. Usadas para casar, festejar ou simplesmente passear, soam modernas ainda que pareçam antiquadas. Além disso, ao sugerir um certo mistério, oferecem a necessária dose de humor para tempos tão bicudos. Vale a frase do escritor português António Lobo Antunes: “É mais sensual uma mulher vestida do que uma mulher despida. A sensualidade é o intervalo entre a luva e o começo da manga”.
Publicado em VEJA de 6 de julho de 2022, edição nº 2796