Com todos os holofotes voltados para si, o magnata da indústria dos chips e CEO da Nvidia, empresa sediada em Santa Clara, na Califórnia, não perde a chance de reafirmar: “Pessoas inteligentes se concentram nas coisas certas”. Ao lidar com a matéria-prima de praticamente qualquer computador e celular na face da Terra, o engenheiro americano de origem taiwanesa Jensen Huang transformou a empresa num gigante — membro do seletíssimo grupo de companhias com valor de mercado acima de 1 trilhão de dólares. Tanto sucesso reside em seu microchip de processamento de dados, chave para o desenvolvimento da inteligência artificial (IA) e dos recursos mais avançados que hoje pululam no universo eletrônico. Mas a nova estrela do Vale do Silício também se concentra em outra peça, onipresente em seus maiores voos financeiros e midiáticos: a jaqueta de couro preta.
Sem despertar tanto alarde no início, a roupa se tornou uma marca registrada do empresário. Faça chuva, faça sol, faça frio ou faça calor, em conferências, passeios ao ar livre ou na capa da revista Time, Huang só dá o ar da graça vestindo uma delas. À primeira vista, os trajes parecem todos iguais. Mas é ilusão de ótica para os desatentos. São vários modelos e estilos — dos mais clássicos e lisos aos cheios de detalhes, que remetem a motociclistas, roqueiros e galãs de Hollywood. Mas tem de ser de couro, o courinho básico, e tem de ser preta. Pode vir de lojas anônimas, mas também de grifes, como a italiana Emporio Armani. “Homens que realizam grandes feitos e escolhem uma peça como marca registrada têm a intenção de imprimir uma identidade”, diz Mario Queiroz, designer de moda masculina e PhD em comunicação e semiótica. “São até associados a super-heróis, que sempre usam as mesmas roupas.”
Nessa toada, o empresário mantém uma tradição no meio tecnológico: a dos fundadores que viram a cara da companhia e inspiram novas gerações. Basta lembrar de Steve Jobs e sua icônica camiseta preta com gola alta nos lançamentos da Apple, desenhada pelo japonês Issey Miyake. Ciente do simbolismo do vestuário, Huang já brincou mais de uma vez, ao dizer que as pessoas se recordariam dele como “o cara da jaqueta de couro”. Sim, por mais que executivos digam que não se preocupam com a moda porque precisam centrar esforços nos negócios, sabem que ela ajuda a criar discursos, mandar mensagens, conquistar admiração e influenciar a opinião pública. Por isso, a escolha do dono da Nvidia não se deu ao acaso. Emblema de juventude, e outrora também de rebeldia, popularizada por galãs controversos como Marlon Brando e James Dean, a peça é o oposto do que se vislumbra para um geek insosso. “ A jaqueta de couro preta conecta ao cinema dos anos 1950, a um senso de independência e de estrada aberta”, diz Joseph Rosenfeld, consultor de imagem e estilista do Vale do Silício.
Com sua assinatura visual, falsamente simples, Huang lança mão de um truque: na era da IA, das fake news, das sombras em torno dos saltos da computação, ele consegue se destacar em meio à planície, deixa o anonimato e pula para a ribalta. Sobe aos palcos com ares de celebridade pop — sem o mítico charme de Jobs, é verdade, mas também sem a falta de sal atávica de Mark Zuckerberg e suas camisetas cinzentas. Convém prestar atenção no cara da jaqueta de couro, mas sobretudo na peça que ele tira do armário, o courinho básico.
Publicado em VEJA de 28 de Junho de 2023, edição nº 2847