O sonho do maior navio de cruzeiros do mundo naufragou
O Global Dream II zarparia — mas a falência da empresa de Hong Kong que o controlava pode levar a viagem inaugural para um ferro-velho
Era para ser inigualável, um assombro a singrar os mares, o maior de todos os navios comerciais do mundo. O Global Dream II, da holding Genting Hong Kong, construído no estaleiro alemão MV Werten, no Mar Báltico, próximo a Rostock, começou a ser montado em 2019 para ter 342 metros de comprimento, 2 500 cabines e capacidade para 9 000 passageiros. Ostentaria um cinema imenso como os de Los Angeles, cassinos, piscinas, quartos com temperatura e iluminação controladas por smartphone e uma montanha-russa — sim uma montanha-russa! — de tirar o fôlego. O custo da brincadeira, celebrado com pompa e circunstância porque, entre as embarcações de cruzeiros, dinheiro (além do tamanho) é documento: o equivalente a 7,2 bilhões de reais.
Corria tudo bem, agências de turismo começavam a vender os pacotes de viagem para o início de 2022, até que o sonho virou pesadelo, e o gigante encontrou seu iceberg particular: a falência da operadora. A companhia foi uma das vítimas da quarentena rigorosa e necessária, apesar de destruidora, imposta pela Covid-19. Como resultado, o acabamento foi interrompido no fim de 2020 (faltavam ainda 30% para a finalização), operários tiveram de ser demitidos, e o navio ficou preso entre andaimes, à procura de um xadrez financeiro que não apareceu. O administrador da massa falida, Carsten Haake, da MV Werten, busca compradores, que sumiram. “Não temos pressa, nosso objetivo é conseguir o preço mais alto”, diz Haake. Pensou-se em leilão, mas não vingou. A ruidosa e dramática solução, caso não apareçam interessados, pode ser o desmanche — e a viagem inaugural seria para um ferro-velho, triste e inelutavelmente. Como não é equipado para enfrentar guerras, e portanto não pode receber armamentos, tanques e aviões, como se imaginou como acerto desesperado, o colosso terá de ser desmontado. Seu irmão, o Global Dream, que já estava pronto, teve melhor sorte, conseguiu um comprador, e pode até sobreviver.
O sonho naufragado do Global Dream II deixou o Wonder of the Seas, baluarte da frota da Royal Caribbean, como o recordista mundial em tamanho. Ele tem 362 metros de comprimento e 64 de largura, podendo acomodar 6 988 turistas e 2 300 tripulantes. É o equivalente a cinco Titanic, o mais célebre e azarado dos transatlânticos, que naufragou em 1912, no Atlântico Norte. Virou estrela do verão europeu, indício de que o mercado de cruzeiros voltou a ganhar tração — apesar do susto com o navio que estava fadado a brilhar, o número 1, e que muito provavelmente nunca mais verá a luz do dia. O que fazer? Deixá-lo de lado, como exceção, e olhar para o vasto horizonte.
No Brasil, há ânimo renovado, depois da pandemia. Estima-se que na temporada de 2022 e 2023, que começa no fim de outubro e vai até abril do ano que vem, circulem pelas águas de cá pelo menos 780 000 leitos, em uma alta de 47% em relação ao que foi ofertado na temporada de 2019 e 2020, antes portanto do vírus que reinventou nossa vida. O crescimento é estrada para a criação de 44 000 empregos no país e um impacto de 3,8 bilhões de reais na economia. É alvissareiro, em toada semelhante ao resto do mundo, que busca voltar a viver como antes do tempo trancado em casa, por imposição sanitária. O Global Dream II, tudo levar a crer, pode vir a ser apenas o exemplo ao avesso em mar azul.
Publicado em VEJA de 21 de setembro de 2022, edição nº 2807