Considerado um país jovem até a década de 70, quando a multidão de pouca idade dominava a paisagem, o Brasil marcha firme sobre uma trilha já percorrida pelas nações mais desenvolvidas, com dois fenômenos de alto impacto correndo em paralelo: o adiamento da maternidade, que deságua em berçários cada vez mais vazios, e o avanço da população de cabeça branca, embalada por um bem-vindo aumento da longevidade. Essa chacoalhada demográfica impõe gigantescos desafios nos mais diversos escaninhos da sociedade — das engrenagens da economia, que precisarão ser movimentadas por uma porção menor de pessoas na ativa, à própria rotina dos indivíduos. Em cenário de tão acentuada mudança desponta uma turma de seus 40, 50 anos de idade que se vê às voltas com tarefas impensáveis para adultos de outros tempos. Eles se revezam hoje entre cuidar de filhos ainda pequenos e de pais e mães que envelhecem e requerem atenção redobrada. Espremida em meio aos dois extremos, deu-se até nome a essa fatia da população: geração sanduíche.
Os assuntos para o grupo que caminha para adentrar a chamada meia-idade (vocábulo que, como outros, vai caindo em desuso) jamais foram de natureza tão variada — ora a preocupação é com o desempenho escolar da prole, ora com a visita ao médico dos pais. Isso se traduz em um atribulado cotidiano, que, embora abundante em afeto, não raro cobra seu preço. Mãe de três filhos, de 8, 14 e 20 anos, a supervisora comercial Lisandra Mathias, 43, se equilibra entre demandas infantojuvenis e a assistência à mãe e ao pai, diagnosticado com doença de Parkinson em 2010. A barra pesou a um nível em que a ansiedade virou estresse. Num curioso ciclo de ajuda mútua, aí foram eles, os idosos, que lhe confortaram. “Eles ficaram ao meu lado do mesmo jeito que eu permaneço do deles”, diz Lisandra, dando os contornos da riqueza de tão apertados laços. “As famílias estão se modificando e novas formas de organização vão surgindo, como é o caso da geração sanduíche, que encabeça um dos arranjos mais amplos”, observa o demógrafo José Eustáquio Alves.
Mesmo que os últimos tempos tenham sido de relevantes avanços para as mulheres, elas sentem com maior intensidade o peso de zelar por tanta gente, já que ainda estão mais imersas na criação dos filhos e na condução das tarefas domésticas do que a ala masculina. Segundo um levantamento do IBGE, esses afazeres lhes tomam dez horas a mais do que para eles. Se as décadas passadas, com o maciço ingresso feminino no mercado, foram as da jornada dupla de trabalho, com a geração sanduíche instaurou-se a era do turno triplo: emprego, crianças e pais. Como é difícil dar conta de tudo sem deixar nenhuma brecha, às vezes bate uma culpa. “Muitas cultivam a ideia de que precisam doar o máximo de tempo para pais e filhos sem nunca abrir mão da performance no trabalho, uma conta que não fecha e pode causar sofrimento”, alerta a psicóloga Thaís Medeiros.
Neste período de tantos abalos nas placas tectônicas da demografia, um fator adicional se soma ao caldo de questões com as quais a geração sanduíche precisa lidar — a permanência prolongada dos filhos crescidos em casa. O grupo, que se expandiu 137% entre 2012 e 2022, também tem nome: é a geração canguru. Sob o mesmo teto, portanto, agora é possível encontrar bebês, jovens, velhos, todos sob os cuidados dos ensanduichados adultos. Frequentemente, a carga sobre o caixa familiar eleva a pressão, algo relatado não apenas no Brasil, mas em outros países expostos aos mesmos ventos, como os Estados Unidos. Uma vasta pesquisa intitulada Sandwich Generation Survey mostra que 66% dos entrevistados-sanduíche se encontram sob estresse justamente pelas obrigações financeiras postas à mesa por sua abrangente composição familiar. Não é pouca gente: 54% dos americanos têm um pai vivo com mais de 65 anos e um filho com menos de 18.
Muito vem sendo estudado sobre os benefícios do convívio estendido entre pais e filhos, avós e netos. Enquanto os jovens assimilam a experiência dos mais velhos, aprendendo a colocar dúvidas e angústias em perspectiva, os idosos são estimulados a passar suas reflexões adiante, e assim rejuvenescem. “São elos afetivos duradouros e, quanto mais soubermos aproveitá-los, melhor”, afirma a antropóloga Mirian Goldenberg. Andar sobre essa linha delicada e envolta em responsabilidades é um processo que costuma trazer amadurecimento às pessoas — a maioria assustada no começo, até ir se amoldando à nova realidade. Ao dividir o batente com dois irmãos, a analista de negócios Nara Fleming, 47 anos, diz que o dia a dia próximo dos pais, mesmo cansativo, alcançou um ponto de equilíbrio, ao passo que a antes extenuante rotina com os filhos de 7, 17 e 25 anos acabou ficando mais leve. “É um período da vida. Dou o melhor que posso e quero poder olhar para trás com a sensação de que fiz a coisa certa”, afirma Nara, uma valente representante da geração que vive ensanduichada, sim, mas feliz.
Publicado em VEJA de 15 de setembro de 2023, edição nº 2859