Pesquisas confirmam: o otimismo compensa, e faz viver mais
Estudos mostram por que enxergar a existência com leveza e apostar sempre no melhor adiciona valiosos anos às pessoas. E mais: pode-se aprender a ser assim
Poucas áreas da medicina são hoje tão incensadas quanto a que se dedica ao estudo da longevidade. Decifrar o que pode ajudar as pessoas a viver mais tornou-se uma espécie de graal desde que ficou demonstrado que a humanidade poderia vencer as infecções — até não muito tempo atrás as grandes responsáveis pela mortalidade da espécie — e que a tecnologia é capaz de feitos colossais na prevenção e na manutenção da saúde. Durante anos, a busca pelos segredos de uma extensa existência se concentrou em desvendar os mecanismos biológicos do envelhecimento e os meios de contorná-los. Até aqui, a empreitada vai indo bem. A questão agora é saber o que mais pode ser feito para além do aspecto físico. Daí o interesse da ciência em se voltar na direção das condições psicológicas e dos traços de personalidade associados ao freio das doenças e a seus tratamentos. Pois é justamente nessa seara que o otimismo desponta como um relevante ingrediente no prolongamento da vida.
As ciências médica e comportamental construíram ao longo dos últimos anos uma sólida base de dados que dão a dimensão de como se manter leve e concentrado no lado cheio do copo, como se diz, contribui para a tão ansiada longevidade. Um dos times mais atuantes nesse campo é o da Escola de Saúde Pública Harvard T.H. Chan, nos Estados Unidos, cujos estudos indicam que, quanto maior a confiança em um futuro melhor, maior o tempo de vida. Quem cultiva o otimismo ganha cerca de 15% a mais de dias de existência e apresenta até 70% mais chances de ultrapassar os 85 anos, na comparação com os pessimistas.
Recentemente, os pesquisadores de Harvard deram um salto ao publicar o mais extenso e diverso estudo sobre o tema, envolvendo uma amostra que compreende variados grupos raciais e étnicos. O objetivo era saber se otimistas de diferentes culturas se beneficiariam em graus distintos desse estado de espírito. Comprovou-se que não. “Os benefícios foram registrados igualmente entre todos”, afirmou Hayami Koga, coordenadora do levantamento. O consenso sobre a relação de causa e efeito aí sustenta-se em análises que consideram, por exemplo, o vínculo entre otimismo e certas doenças. Um exemplo diz respeito às enfermidades cardiovasculares. Depois de revisarem quinze trabalhos que reuniram 230 000 participantes acompanhados, em média, por catorze anos, ficou evidente que as pessoas habituadas a esperar o melhor têm menor risco de sofrer infarto ou acidente vascular cerebral (AVC). Outro estudo, apresentado no Congresso Internacional da Associação Americana de AVC, mostrou que o estado mental positivo reduz intensamente a severidade de sequelas após três meses, o que diminui a possibilidade de mais complicações.
Compreender de que forma o otimismo produz ganhos dessa envergadura é um imenso desafio. Acredita-se que a combinação de fenômenos físicos e comportamentais desencadeados por ele seja um potente remédio. Em primeiro lugar, indivíduos com tendência a acreditar que a vida segue uma curva ascendente reagem de modo mais tranquilo frente a situações estressantes. E elas, como se sabe, são um terrível inimigo do bem-estar. “O jeito mais construtivo de lidar com cenários de elevado estresse é uma vantagem que os otimistas têm”, explica Lewina Lee, da Universidade de Boston, nos Estados Unidos. Um dos truques dessa parcela da humanidade é a engenhosidade mental diante de circunstâncias difíceis. “Eles perseveram, usando rapidamente os centros cerebrais de solução de problemas”, diz Darwin Labarthe, da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos. Em geral, os otimistas de plantão também aceitam melhor os tratamentos, vão mais aos médicos e exercitam-se com maior frequência. Eles mantêm, além disso, as conexões sociais e cultivam propósitos na vida, atitudes que contam demais para uma saúde equilibrada.
Tais descobertas têm tanta importância que a Associação Americana do Coração fez um pronunciamento endossando as informações e estimulando os médicos a monitorarem o estado de ânimo de seus pacientes. “Os dados são consistentes ao mostrar que traços psicológicos positivos possuem papel essencial para uma boa saúde cardiovascular”, escreveram os autores do documento. A dificuldade está em como virar a chave do pessimismo, especialmente em tempos tão cheios de adversidades. Há ainda outra questão a se aprofundar: de que maneira não cair na esparrela, igualmente equivocada, do excesso de positividade. Enquanto enxergar o mundo com o olhar negativo é muitas vezes paralisante, o contrário pode trazer uma perigosa sensação de invulnerabilidade.
Avanços no estudo da mente têm tudo para ajudar a encontrar o ponto certo. Porém, é preciso ter propósitos e trabalhar por eles. Outra recomendação pode soar autoajuda, mas contém alto teor científico: prestar mais atenção ao que aconteceu de bom, inclusive registrando no papel as memórias agradáveis. “Identificar e expressar gratidão por bons momentos é um recurso poderoso”, enfatiza a pesquisadora Elisa Kozasa, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. A prática da atenção plena, o chamado mindfulness, é também citada. “É possível treinar nosso cérebro a ter uma atitude menos julgadora, valorizando momentos positivos”, orienta o médico Marcelo Demarzo, da Universidade Federal de São Paulo. Vale o esforço. Ele garantirá longos e bons anos de vida.
Colaborou Sabrina Carmo
Publicado em VEJA de 29 de junho de 2022, edição nº 2795