“Queremos contribuir com a construção da cultura do vinho no Brasil”
Em entrevista exclusiva, Charles Marshall, diretor da importadora Berkmann, conta os ambiciosos planos da empresa britânica para se consolidar no país
Na Inglaterra, a Berkmann Wine Cellars tem uma longa tradição entre as importadoras de vinhos. Fundada em 1964, é responsável por fornecer os rótulos que compõem a carta de grandes restaurantes, bem como as garrafas vendidas em redes varejistas. Aqui no Brasil, embora esteja presente desde 2015 e tenha em seu portfólio ícones como o toscano Tignanello, ela ainda é pouco conhecida elos enófilos. Mas a situação está mudando, e a estratégia da empresa é acelerar a percepção dos consumidores brasileiros.
Em março deste ano, a Berkmann fez dois grandes anúncios na sequência. Primeiro, assumiu o portfólio da chilena Viña Montes, muito conhecida pelos brasileiros por conta da linha Montes Alpha e de ícones como o Purple Angel e Montes Alpha M. Logo depois, divulgou que seria a nova responsável pelos vinhos portugueses Quinta de Covela e Tecedeiras. Antes de ser comprada pelo empresário brasileiro Marcelo Lima e pelo jornalista britânico Tony Smith, em 2011, a Covela não produzia como antes, mas hoje é referência em Vinhos Verdes produzidos com castas autóctones da região, agora assinados pelo enólogo Rui Cunha. Já a Tecedeiras foi pioneira em produzir vinhos não fortificados (como Porto) na região do Douro. São referência quando o assunto é boa relação custo-benefício entre os portugueses, mas que aqui não tinham o destaque que mereciam.
Há mais pela frente. Em entrevista exclusiva, o COO da Berkmann, Charles Marshall, fala sobre os planos da importadora para o Brasil, incluindo o lançamento de um e-commerce com foco no consumidor final, serviço que não oferece no Reino Unido, e os novos rótulos que pretende trazer ao país, como os vinhos que a Antinori produz além do Tignanello.
Confira a seguir:
Embora a Berkmann seja bem famosa na Inglaterra, a importadora não é tão conhecida aqui. Qual a estratégia para mudar esse cenário?
Eu não diria necessariamente que nosso objetivo principal é nos tornarmos famosos. Trabalhamos para construir a notoriedade das nossas marcas, das quais nada mais somos do que guardiões. Nesse processo, é apenas uma consequência natural trazer mais notoriedade para a Berkmann. Já temos uma posição importante no mercado brasileiro, como o 6º maior importador de vinhos italianos, além de muitas outras novidades chegando em breve, que irão apenas colaborar com esse processo. Agora, por que o Brasil? E digo: porque não? Atuamos há 60 anos no Reino Unido, um mercado mais maduro, se comparado ao Brasil, mas também cheio de semelhanças, o que nos coloca na posição singular de poder antever os movimentos e evoluções que o Brasil vive, colocando-nos à frente para melhor contribuir com a construção da cultura do vinho no país. Para isso, decidimos abrir nosso próprio negócio ao invés de comprar outra empresa, sempre buscando uma estratégia de longo prazo, como uma empresa familiar, construindo relações duradouras.
Quais as principais diferenças entre o consumidor brasileiro e o inglês que precisam ser levadas em consideração na hora de criar a estratégia para o mercado local?
Assim como o Reino Unido, o Brasil tem uma produção doméstica limitada, e oferece uma ampla seleção de vinhos do mundo, e isso estimula o consumidor a experimentar novos sabores e origens, Mas os rótulos mais vendidos são diferentes, tanto em relação a uvas quanto países e regiões. Também percebemos que tanto os consumidores quanto os profissionais brasileiros são famintos por conhecimento e informação, e estão sempre em busca de fundamentar decisões de compra – especialmente as mais caras.
Desde o início de 2023, a Berkmann está fazendo barulho aqui no Brasil. Primeiro, vocês anunciaram que estavam assumindo o portfólio da Viña Montes, muito popular por aqui. Depois, os rótulos portugueses da Quinta da Covela. O que mais você está planejando para este ano?
Há muito mais! Temos muitas mais marcas desejadas, focadas na construção de uma gama com amplitude e qualidade excepcionais, mas certamente sem esquecer de apostar em marcas que já representamos e que nos oferecem seus produtos mais prestigiosos.
Um exemplo é a vinícola Antinori. Além de ícones como o supertoscano Tignanello, há planos de trazer os demais vinhos dos vinhedos da Antinori localizados fora da Itália para o Brasil?
Antinori é muito mais que Tignanello! No total, temos agora treze propriedades de diferentes regiões da Itália, todas pertencentes à Antinori, mas cada uma com sua singularidade e caráter. A última adição ao nosso portfólio são os deliciosos vinhos de Jermann, de Friuli, e os espumantes Franciacorta de Tenuta Montenisa, que estão a caminho. Já representamos o Haras de Pirque, do Chile, e o Tüzkö, da Hungria, ambos do portfólio da antinori. No momento, no entanto, não temos planos de trazer seus vinhos da Califórnia, Malta ou Romênia.
A Berkmann vai lançar um e-commerce com foco no consumidor final aqui no Brasil. Vocês oferecem algo semelhante no Reino Unido?
Não oferecemos e-commerce no Reino Unido, mas no Brasil, dada a escala continental do país, é fundamental fornecer aos consumidores acesso nacional às nossas marcas, embora isso seja estritamente controlado por nossa estratégia para evitar qualquer conflito de preços.
Qual o perfil de consumidor de vinhos no Brasil?
Estamos muito entusiasmados com o dinamismo do mercado que vocês têm aqui no Brasil. O interesse pelo vinho é palpável e está em constante evolução para melhor, com um consumo per capita de cerca de 2,5 litros. Vejo esse número duplicando facilmente num futuro próximo. E isso apresenta uma grande oportunidade. É um pouco arrogante pensar que vamos melhorar o mercado, que ele está atualmente faminto e precisa ser alimentado. Mas pretendemos fomentar a cultura do vinho, oferecendo grandes rótulos de todo o mundo, treinando profissionais para aumentar sua confiança nos vinhos e encontrar maneiras de oferecê-los e servi-los, além de mostrar como grandes marcas de vinho podem oferecer uma ótima relação custo-benefício.
Qual a diferença de trabalhar com marcas fortes, como Antinori e Viña Montes, em relação a outras menos conhecidas pelos consumidores?
Tentamos ao máximo tratar todas as marcas com o mesmo cuidado e atenção. Com certeza, marcas consagradas como Antinori e Montes exigem não apenas esforços de construção de marca, mas também um enorme respeito pela história que construíram no Brasil, tanto junto ao trade quanto ao público em geral. A nossa estratégia procura ter muito cuidado com o posicionamento, prestígio e distribuição das marcas, para que se mantenham como “top of mind” dos amantes do vinho em todo o país.
Na Inglaterra, a Berkmann tem outra unidade de negócios, a Spirit Cartel, focada em destilados. Aqui, no Brasil, vocês já trouxeram o Vermute Mancino. Há planos de trazer outras marcas também?
Sim! Estamos procurando introduzir uma empresa separada chamada ‘A Firma’ para contribuir com a nascente cultura de coquetéis no Brasil, que ainda sofre com pouca diferenciação entre os menus de bebidas dos bares devido à homogeneidade da oferta de rótulos.
Em que o mercado de destilados se assemelha ou difere do mercado de vinhos, tanto na Inglaterra quanto no Brasil?
Está tudo relacionado ao público e a preferências distintas. Vinhos e destilados possuem tendências diferentes e segmentos de público mais ou menos engajados. Algumas tendências são coincidentes, como o crescente interesse por produtos com baixo teor alcoólico, artesanais e exclusivos. A grande e, para nós, a mais importante coincidência está no poder da marca e na necessidade de construí-la e reforçá-la sempre.