Começou em 2013. Estava tudo bem, tanto na minha vida pessoal quanto na profissional. Carioca que sou, consegui realizar o sonho de morar em São Paulo. E estava em um momento muito positivo, porque o meu álbum Morro da Favela, de 2011, tinha sido publicado em Portugal, na França e no Reino Unido. Na época, fiz minha primeira viagem para a Europa, onde depois viria a morar definitivamente, em Lisboa. Mesmo assim, sentia uma falta de energia mental e física absoluta. Na época, minha mulher acordava mais cedo para trabalhar. Eu ficava com a tarefa de fazer o café da manhã e preparar minha filha para a escola. Torcia para ela pedir cereal, e não pão com manteiga, que dava mais trabalho. Era um esforço tremendo pegar uma faca, abrir a bisnaga e tudo o mais. Só de andar até a esquina e voltar já me dava um esgotamento incrível.
Eu não sabia o que tinha, nem me ocorria pensar em depressão. Vi que algo muito sério estava acontecendo no começo de 2014, quando fui para a Europa de novo, para participar de um festival literário em Saint-Malo, na França. Estava apático, foi como se não tivesse registrado nada. Quando voltei ao Brasil, não conseguia mais sair do sofá. Qualquer atividade, por menor que fosse, era um esforço. Consegui ir ao clínico geral e fiz vários exames. Mas não identificaram nada, embora a apatia e a falta de vontade de fazer as coisas continuassem presentes. Depois de alguns meses, acho que já em 2015, minha mulher falou: “Será que isso não pode ser depressão?”. Não tinha nenhum bloqueio ou preconceito, do tipo: “Eu, depressão? Não, imagina!”. Tanto que, quando ela falou aquilo, pedimos indicação de um terapeuta e marcamos consulta. Hoje, fico até me questionando como que os médicos que me examinaram antes não identificaram o que eu realmente tinha.
Fui para Portugal em 2016, quando ainda estava me tratando da depressão. Era para eu me tratar por seis meses e depois parar. Então, aconteceu algo curioso. Até 2018, produzi cerca de 1 000 páginas de roteiros e desenhos. Foi quando fiz a adaptação de O Idiota, do Dostoiévski, que tem 400 páginas. Era um trabalho muito intenso. E eu vinha de dois anos sem produzir quase nada. Depois, foram mais dois anos de produtividade ínfima. A pessoa que estava me tratando cravou: bipolaridade. É um problema crônico, mas já me acertei com os remédios. Estou bem agora. O novo trabalho, T.A.T.T.O.O. — À Flor da Pele, que estou lançando pela editora Darkside, é fruto disso. Não sou eu, mas o personagem principal, Ramsés, é um tatuador carioca que trabalha no centro velho de São Paulo, acometido por uma fadiga física e mental e uma paranoia crescentes. Na verdade, é uma nova versão de um álbum, Malditos Amigos, que eu lancei em 2018, em Portugal. Retrabalhei todas as páginas, algo que nem pensaria em fazer antes.
Estou num processo de me reinventar, e acertar a medicação foi um passo fundamental. É um momento muito bom, pois tenho a sensação concreta de estar entrando em nova fase. Também é a primeira vez que não sinto a síndrome de impostor, quando achamos que está tudo ruim. Acho muito relevante falar sobre doenças mentais. Porque acaba sendo transformador, já que muita gente tem e não sabe. Como era o meu caso: eu tinha uma visão muito superficial de tudo. Há uma questão de tabu e vergonha. Não pode, tudo tem de ser dito. A pressão é muito grande para que sejamos perfeitos em tudo, uma situação muito estressante. Falar sobre depressão, bipolaridade e outras patologias é fundamental para quem está doente perder a inibição e procurar tratamento adequado. Sem preconceitos, mas com terapia e remédios. Foram essas coisas que devolveram a minha vida e a minha essência.
André Diniz em depoimento dado a Alessandro Giannini
Publicado em VEJA de 4 de janeiro de 2023, edição nº 2822