Sinal vermelho: cor da paixão rouba a cena nas passarelas e premiações
Ela imprime classe, empoderamento e sensualidade por onde passa
Nada de ficar corado de vergonha — porque o fluxo sanguíneo sobe à cabeça — se não souber do poder incomparável do vermelho. É a cor do Cupido e do coisa-ruim, do amor e do ódio. Na China é sinônimo de sorte, e as noivas vão de púrpura. Em algumas regiões da África representa o luto. Em um dos bairros de Amsterdã, de noite infindável, é como o sexo. O encarnado desperta a atenção humana, seja no comando “pare!” de um semáforo (e não por acaso), seja na apreciação de obras de arte.
No Renascimento, os matizes rubros começaram a ser usados para destacar figuras centrais como o manto de Cristo e as vestes da Virgem Maria, por exemplo. Em 1888, o gênio holandês Vincent van Gogh (1853-1890) disse em carta ao irmão Theo que empregara a tonalidade na pintura O Café à Noite na Place Lamartine para expressar “as terríveis paixões humanas”. Vinte anos depois, o francês Henri Matisse (1869-1954), enamorado pelo carmim, decidiu experimentar “um certo vermelho que afeta a pressão arterial” em obras-primas como Le Dessert: Harmonie en Rouge. Compartilhando desse entusiasmo, a brasileira Tarsila do Amaral (1886-1973) pintou seu Autorretrato vestida, claro, de vermelho. A arte assina embaixo: quem quer estar no centro das atenções ou mobilizar emoções deve trajar vermelho. E, não à toa, o universo da moda se rende, de maneira contínua, à cor que é puro sangue. E lá vem ela de novo.
Nas passarelas e premiações, rouba a cena com brio. Se 2023 foi pintado de rosa pelo fenômeno Barbie, o clima esquentou nesta temporada. Até a protagonista do filme, Margot Robbie, que só desfilava por aí em cinquenta tons de pink, se curvou ao vermelho. Foi assim que atraiu todos os holofotes da última edição do Critics Choice Awards, numa peça fulgurante da grife Balmain. Rivalidade à altura no evento só a da cantora Dua Lipa, num Prada rubro. Katherine Heigl e Suki Waterhouse, grávida de Robert Pattinson, engrossaram o coro. Na cerimônia do Globo de Ouro, não foi diferente, e o tapete ficou ainda mais vermelho. Destaque absoluto para Julianne Moore, num elegante modelito Bottega Veneta, seguida por Selena Gomez, Heidi Klum e Florence Pugh. “Nessa cor não tem como passar despercebida”, diz a consultora de moda Manu Carvalho. “Ela traduz hoje um sentimento de empoderamento.”
Nas redes sociais, é claro, se espraiou com velocidade. Personalidades influentes nos domínios fashion, como Kendall Jenner, Hailey Bieber e Jennifer Lopez, só saíram à gala em vermelho. E, para consolidar e refinar a tendência, a coloração impera nos desfiles internacionais em figurinos de grifes do quilate de Dior, Giambattista Valli, Alaïa, Jean Paul Gaultier e, não podia deixar de ser, Valentino. O estilista italiano é considerado o grande responsável por eternizar o vestido vermelho na moda contemporânea ao criar, em 1959, o Red Valentino, tom brilhante inspirado na energia dramática da ópera Carmen, de Georges Bizet. Foi nessa vibração que o italiano vestiu ícones como Jacqueline Kennedy Onassis (1929-1994), Elizabeth Taylor (1932-2011), Sophia Loren e Gisele Bündchen. “É a última cura para a tristeza”, declarou.
Insígnia de poder e elegância também no cinema, os modelitos escarlates são veículos de projeção e transformação. Foi exatamente essa a briga da figurinista Marilyn Vance para abrilhantar a personagem de Julia Roberts em Uma Linda Mulher, sucesso incontornável de 1990, dentro de um longo… vermelho. “O estúdio queria um vestido preto, mas eu sabia que precisávamos de um vermelho”, disse. “Filmamos com várias cores e consegui convencer todos.” Ela não só acertou em cheio como fez o vestido entrar para a história como um dos mais emblemáticos e copiados, em extraordinário salto das telas para a dureza cinzenta do cotidiano.
Agora em 2024, o vermelho é celebrado com entusiasmo, e alguma pegada de provocação. Afinal, mesmo fazendo parte do jogo racional da indústria da moda, é aquele tom que apela para o emocional. Como bem descreveu a reputada jornalista de moda americana Charlotte Sinclair em um artigo: “Estamos conectados ao vermelho. É a encarnação da ênfase, o alerta, o bloqueio na estrada, o alarme, o perigo, o entusiasmo, a paixão, o incitamento, a excitação. É a cor de reis e rainhas, guerra e império, teatro e poder. É o diabo e o sangue de Cristo (…) O impulso animal e o coração que bate, a poeira vermelha e o núcleo de magma do planeta. É a cor da vida e da ação”. Nesse palco iluminado, quem quer dar as caras e mostrar a que veio só tem realmente uma escolha na paleta. “Em caso de dúvida, vá de vermelho”, avisou o designer americano William Ralph Blass (1922-2002). Como a dúvida faz parte da volúvel alma humana, fica o conselho.
Publicado em VEJA de 2 de fevereiro de 2024, edição nº 2878