Soltos e estilosos, os ternos incorporam as novas tendências de moda
Clássicos do vestuário masculino surgem revisitados, em misturas modernas de alfaiataria e streetwear
Em meio à pandemia de Covid-19, surgiram projeções que, se concretizadas, mudariam radicalmente a forma de vestir das pessoas. É claro que a crise sanitária modificou muita coisa, como a priorização do conforto, mas não teve o poder de provocar revoluções tão drásticas. Estão longe de desaparecer alguns códigos que parecem imutáveis. É o que está se vendo com os ternos, tradicionais peças do guarda-roupa de todo homem que, ao contrário do que se chegou a dizer, não sairão do mapa. “É uma roupa que dificilmente cairá em desuso”, diz o estilista Ricardo Almeida, reconhecido como um dos mestres da alfaiataria masculina nacional. “Ainda é sinônimo de poder.” Os números demonstram o permanente sucesso. Só nas duas primeiras semanas deste mês, a grife de Almeida registrou um aumento de 120% nas vendas de ternos para casamento e de 45% em costumes e blazers. No mundo, a comercialização do traje deve alcançar uma receita de 705 bilhões de dólares até 2026, segundo relatório do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). O Brasil ocupa a oitava posição entre os países com as maiores receitas geradas pelo vestuário.
Com a retomada das atividades, a combinação calça-paletó foi o destaque nos desfiles masculinos internacionais. Porém, reapareceu de um jeito totalmente revisitado, com silhuetas redefinidas por cortes, proporções e texturas diferentes. O casaco e as mangas estão mais longos e os ombros surgem largos, assumindo construções arredondadas ou desestruturadas. Os tecidos vão da seda ao veludo, do tweed ao jeans, da lã ao couro. O que se viu nas passarelas foi a mistura entre a clássica alfaiataria e o conforto streetwear, do jeito como antevia Virgil Abloh, o aclamado estilista da Louis Vuitton que morreu em novembro do ano passado. Os ternos de inverno da grife, por exemplo, têm perfil escultural, ombros volumosos e detalhes utilitários, características que também apareceram nos casacos do desfile masculino da casa italiana Prada. As calças acompanham a tendência. Há modelagens que lembram as baggys — cinturas altas e marcadas e pernas largas — e a clochard, de cintura alta e pernas soltas, porém afuniladas. A Dior, inclusive, surpreendeu ao apresentar peças em estilo jogging, com direito até a elástico na cintura, que confere um resultado elegante, confortável e urbano. “É uma mistura inteligente”, sintetiza o consultor, professor e estilista de moda masculina Mário Queiroz.
As marcas propõem aos homens trocar a sisudez tradicional dos ternos pela versatilidade que o ambiente contemporâneo exige. Isso inclui a oferta de opções saídas da cada vez mais evidente moda sem gênero. Uma das criações mostradas na passarela pela talentosa e vanguardista grife londrina JordanLuca combinou saia estilo kilt com casaco de lã amarelo trespassado. O modelo indica ainda mais uma direção: os ternos coloridos. “As cores aparecem como manifestação de esperança e entusiasmo em tempos tão sombrios”, pontua Queiroz. Isso quer dizer que o homem não está mais preso ao cáqui, marinho e preto de sempre. Contudo, se quiser permanecer mais próximo dos cortes e cores clássicos sem se distanciar dos ventos renovadores, é possível. A italiana Fendi apresentou casacos longos, em sintonia com a estação, em cortes impecáveis, tons sóbrios e elementos tradicionais como estampas xadrez Vichy, de origem inglesa, e padrões pied de poule, típicos dos anos 1920, ambos sofisticadamente convencionais.
Ternos são associados à maturidade e emprestam a aura de autoridade aos homens — e às mulheres desde que a atriz alemã Marlene Dietrich os tomou emprestados, nos anos 1920 e 1930, e que a estilista francesa Coco Chanel tratou de popularizar com sua versão feminina. Ou seja, mesmo apresentados em opções mais ou menos fashion, eles continuam sendo feitos para impressionar, só que agora com mais conforto.
Publicado em VEJA de 23 de março de 2022, edição nº 2781