Na recente história de sucesso do mercado brasileiro de vinhos, o ano de 2021, em plena pandemia, será tratado como ponto de inflexão, o início de uma nova era. Pela primeira vez, os consumidores preferiram rótulos de melhor qualidade: foram comprados 217 milhões de litros de produtos finos, de uvas europeias, ante 205 milhões de litros de garrafas de mesa, majoritariamente de cepas americanas. Outro ineditismo, agora revelado: a expansão dos espumantes entre os exemplares de qualidade. Foram 40,4 milhões de garrafas de borbulhantes, mais do que os 36 milhões dos chamados vinhos “tranquilos”, sem gás. Diante desse cenário, o Brasil torna-se simultaneamente um respeitável produtor e também admirador dessa família de bebida.
Trata-se de um processo que ganha força há quase vinte anos, desde que as vinícolas nacionais perceberam o potencial que as uvas tradicionais usadas na fabricação dos espumantes, a pinot noir e a chardonnay, demonstraram em nosso solo, especialmente no Sul do país. Em 2021, 303 das 414 medalhas obtidas por vinhos brasileiros foram para espumantes. Um deles, o 130 Blanc de Blanc, da Casa Valduga, de Bento Gonçalves (RS), venceu um dos mais importantes concursos: o Vinalies Internationales, em Paris. Houve empolgação no país com a láurea inédita, e muitos ousaram acreditar que fora eleito “o melhor do mundo”.
Hoje, há uma enorme variedade de estilos à disposição. O espumante — que pode ser feito com esse nome em qualquer lugar do mundo, e não tem a exclusividade territorial do champanhe francês — é um vinho de dupla fermentação natural. Esmagam-se as uvas na primeira etapa para seu mosto se transformar em bebida alcoólica. A segunda forma o gás carbônico, ou melhor, as borbulhas. Existem dois métodos principais para a segunda fermentação. No Charmat, ela ocorre em grandes tanques de inox, chamados de autoclaves. No Champenoise, conhecido como tradicional ou clássico, a segunda fermentação acontece na garrafa. Há também o método Asti, que no Brasil é usado na fabricação de moscatel, que se diferencia dos anteriores porque a segunda fermentação não é feita com o vinho pronto, mas com o mosto guardado da primeira etapa. Os três métodos são aplicados aqui, embora predomine o Charmat. Tais processos proporcionam, evidentemente, bebidas diferentes. Conforme o nível de açúcar, os espumantes Charmat e Champenoise podem ser classificados como nature, extra-brut, brut, seco, meio seco e doce.
Tamanha diversidade, associada à qualidade, é atalho para a conquista de novos espaços, em uma clara mudança de comportamento. “Deixou de ser algo para celebrar um aniversário ou estourar no réveillon e virou bebida do dia a dia, para tomar em um churrasco, em um jantar, ou deixar na porta da geladeira como aperitivo”, diz o sommelier Tiago Locatelli, da importadora Decanter. Acrescente-se o preço: é possível encontrar boas opções nacionais por apenas 50 reais, enquanto os rótulos importados mais atrativos, como o clássico Freixenet espanhol, o prosecco e o lambrusco italianos, custam pelo menos o dobro.
Lembre-se, contudo, que nomes míticos como Veuve Clicquot, Moët & Chandon e Taittinger mantém seu apelo, apesar de poder alcançar 400 reais por garrafa. E então, para quem não abandona o que vem de fora e adora as pérolas de um espumante, a onda são os chamados Champagne de Vigneron, de pequenos produtores franceses. “Há entre eles uma liberdade maior de técnicas e de uso de uvas variadas”, diz Alaor Lino, da importadora Anima Vinum. Seja buscando o desconhecido, seja procurando o melhor custo-benefício, lá fora ou nas terras de cá, o brasileiro tem erguido brindes com taças mais alongadas. É uma saborosa novidade.
Publicado em VEJA de 24 de agosto de 2022, edição nº 2803