Tema recorrente de filmes e livros, a traição amorosa, sobretudo masculina, costuma ser o segredo mais conhecido do mundo: as pessoas em volta sabem, ou ficam sabendo, mas ninguém toca no assunto. Os dissabores da companheira enganada foram magistralmente dissecados em A Mulher Desiludida, conto em que a francesa Simone de Beauvoir (1908-1986) narra a história da dona de casa Monique, que descobre um caso extraconjugal do marido. Mergulhada em dúvidas existenciais e sofrimento, ela se sente responsável por salvar o casamento e reconquistar o parceiro. Angústia, aceitação e culpa foram, durante muito tempo — e ainda são, na maioria das uniões —, o roteiro natural da reação feminina à pulada de cerca deles. Agora, contudo, impulsionada pela nova percepção de sua força e relevância, uma parte das mulheres, ao se defrontar com a infidelidade, está pondo a boca no trombone, denunciando a decepção aos quatro ventos — uma inversão de constrangimento alimentada pelos depoimentos de famosas traídas que não escondem sua revolta, em postura valente.
A mais recente explosão de sinceridade partiu da cantora Iza, 33 anos, grávida de seis meses, que, no início do mês, anunciou em suas redes sociais o fim do namoro com o jogador de futebol Yuri Lima. O motivo: deparou-se no celular com conversas virtuais entre ele e uma amante. Sem medo de se expor, a artista postou em vídeo: “Ele me traiu. Não acredito que eu estou falando isso. Mantinha conversas com uma pessoa (com quem) já tinha ficado (…). Isso já é uma quebra de confiança muito grande”. A reação foi positiva e Iza se viu ovacionada, principalmente por mulheres que elogiaram sua firmeza. Antes dela, em setembro passado, outra cantora, Luísa Sonza, 25, tinha revelado em um programa ao vivo na TV que o então namorado, o influenciador Chico Moedas, 28, a havia traído em um banheiro de bar. “É insuportável que a traição, a quebra de combinado, respeito, confiança, zelo e cuidado, continue sendo normalizada (…). Eu vou viver o amor, só não vai ser com você”, cravou. Semanas depois, foi a vez de Preta Gil, 49, desabafar nas redes sobre ter sido abandonada e traída durante sete meses pelo marido Rodrigo Godoy, 35, com quem foi casada por nove anos, enquanto tratava um câncer. “Logo que acontece você fica se questionando: ‘Meu Deus, o que aconteceu? O que deu errado?’ (…). Faço questão de falar isso porque é a realidade de várias mulheres do Brasil”, afirmou na época.
Fora do Brasil, Shakira e Taylor Swift expuseram situações de infidelidade em suas músicas, enquanto a atriz Natalie Portman, mais sutilmente, comentou a dor da separação, pelo mesmo motivo, do marido há onze anos, o coreógrafo francês Benjamin Millepied. A precursora, nesse departamento, foi uma das mais conhecidas traídas, Diana, mulher do então príncipe Charles: em entrevista em meio ao drama da separação, pronunciou a célebre frase: “Somos três neste casamento”. São, todas elas, seres humanos, demasiadamente humanos, que derrubam uma dinâmica amorosa construída há milênios, na qual o homem tem liberdade para ter outras parceiras enquanto a mulher deve jurar exclusividade. “A distinção se consolidou com a criação da propriedade privada. Eles precisavam ter certeza da paternidade para garantir herança aos filhos, e a monogamia passou a ser uma exigência para elas”, diz a psicanalista Regina Navarro Lins.
O crescimento exponencial das redes sociais turbinou essa situação, abrindo um leque de possibilidades de traição (não só para eles, aliás): flertes por mensagem, likes com segundas intenções e até sexo virtual são novas formas de aprontar. Em contrapartida, a internet também facilita a exposição dos traidores e cria uma rede de apoio para a vítima, como aconteceu no caso de Iza. “Vocês me fazem forte mesmo quando eu não preciso ser. Obrigada por tantas mensagens, flores, textos, diálogos, vídeos e desabafos. Podem ter certeza de que realmente estou me sentindo abraçada”, disse a carioca. “É novidade falar abertamente sobre o assunto. Quando ela torna pública a traição, sai do lugar de recatada e do lar, que aceita tudo, e passa a responder à altura”, afirma o sociólogo Fabio Matos, da Universidade Federal do Piauí.
Apesar dos avanços, sair de relacionamentos em que há quebra de confiança nem sempre é fácil. “A gente cresce ouvindo que o homem procura na rua o que não tem em casa. Por isso, a mulher sente que precisa se esforçar mais”, ressalta a psicóloga Marta Souza. “Ela precisa estar com a saúde mental em dia para não tentar justificar o erro do parceiro e perceber que não merece aquela situação”, completa. Ao adicionar a seu cardápio de relações domésticas altas doses de autoestima e independência, as mulheres trocam a condição de coitadinhas pela de donas de seu destino. É um avanço e tanto, muito bem-vindo.
Publicado em VEJA de 19 de julho de 2024, edição nº 2902