O bonito da vida, muitas vezes, é o sucesso de ideias surgidas por acaso. Em 2013, depois da morte do marido, a empresária Consuelo Ruiz decidiu tirar um período sabático para realizar o antigo sonho de fazer um mochilão pela Europa e pelos Estados Unidos, solitária. Durante uma tarde ensolarada de verão na Provence francesa, com uma taça de vinho branco em mãos, ela teve uma epifania. “Pensei que seria bom poder proporcionar essa mesma sensação para mulheres que não se sentem confortáveis viajando sozinhas”, conta. E assim nasceu o primeiro esboço de Viagens para Mulheres, agência especializada em roteiros exclusivos para o público feminino. Prestes a completar dez anos, a iniciativa é um capítulo vigoroso de uma tendência crescente que movimenta a indústria do turismo.
Em 2023, 30% das viagens realizadas pelo grupo CVC foram feitas exclusivamente por mulheres, de acordo com dados divulgados pelo Ministério do Turismo. Estatística da Booking, plataforma de reservas de hotéis, revela que 39% das viajantes brasileiras planejam uma jornada “antes só do que mal acompanhada”. “Há um interesse crescente entre as mulheres por esse tipo de serviço”, diz Ana Carolina Medeiros, presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens. “A demanda por viagens solo ou entre amigas, colegas, mães e filhas tem se expandido nos últimos anos, e esse já é um dos segmentos mais promissores do mercado.”
O movimento é interessante demais para ser desdenhado. Representa um aceno aos direitos das mulheres, no avesso do preconceito. É democratização necessária, uma janela de oportunidades que nunca deveria excluir metade da sociedade. Um dos pilares é o desenvolvimento de experiências que garantam passeios de qualidade, é evidente, mas que também entreguem respeito. “As mulheres sentem-se vulneráveis em experiências turísticas convencionais”, diz Alan Guizi, professor do curso de hotelaria e turismo da Universidade Anhembi Morumbi. No universo masculino, só poderia haver acolhimento e hospitalidade com os homens à frente e as parceiras em posição secundária, de meras acompanhantes — tolice que precisa ser corrigida, de mãos dadas com os novos humores de igualdade.
A travessia é longa, ainda — e o principal nó, ressalte-se, é o da segurança. “Homens viajam tranquilamente sozinhos”, diz a empresária Dandara Degon, cofundadora da Woman Trip. “Mulheres, infelizmente, ainda não têm essa liberdade de ir e vir, preocupadas com assédio.” Por essa razão, a agência se empenha em fornecer o máximo de informações sobre os destinos escolhidos, como detalhes sobre normas de comportamento locais e vestimentas apropriadas, e com seleção de roteiros que garantam comodidade e certezas.
Quem experimenta esses serviços não costuma se arrepender. A paixão por viagens, a falta de companhia e a busca por segurança levaram a psicóloga Lucia Bocardo Batista a procurar pacotes específicos. Depois de ficar viúva, em 2019, ela tentou viajar com os filhos ou as amigas, mas os planos nunca se concretizavam. Depois de acompanhar por um ano uma agência de turismo para mulheres nas redes sociais, decidiu embarcar em uma viagem ao Marrocos, em 2022. “Não conhecia ninguém, mas criei coragem e fui”, relembra. No ano seguinte, Lucia repetiu a experiência, dessa vez para a Tailândia. E, neste ano, juntou-se novamente ao grupo para explorar os Bálcãs e a Croácia. Deu tudo certo, tanto do ponto de vista prático, de movimentações e descobertas, quanto da autoestima.
Há quem, depois de navegar pelas excursões 100% femininas, tenha dado um passo atrás — e se arrependeu. A advogada Alzira Gomes, que já trilhou meio planeta Terra em grupos de mulheres, recentemente foi para a Escócia em um grupo misto, de pacote tradicional. Não funcionou, segundo ela. “Não gostei do roteiro, não gostei do uso do tempo, foi complicado”, diz, decepcionada. No ano que vem está decidida a retomar a companhia de turmas formadas apenas por mulheres. “Recomendo para todo mundo”, afirma. “É uma forma de você ser livre.” Não há dúvida: se o lugar da mulher é onde ela quiser, por que não pelo mundo, mesmo em países de histórico machista, como o Marrocos? A realidade, contudo, ainda colide com as expectativas, e em muitos lugares a misoginia que brota nas ruas segue sendo um obstáculo, infelizmente. Mas os tempos estão mudando.
Publicado em VEJA de 16 de agosto de 2024, edição nº 2906