Uma velha máxima entre editores de telejornais diz que, se a audiência está ruim, basta encontrar uma desgraça por aí que o público jamais acionará o controle remoto. Seja para saciar a curiosidade, seja para aplacar algum tipo de perversão, a verdade é que notícias negativas — especialmente aquelas carregadas de drama — costumam cativar multidões. Na era das redes sociais, as catástrofes estão por toda parte. Basta dar uma espiada no Facebook, Twitter, Instagram ou TikTok para ver cenas horripilantes de guerras, incêndios, desabamentos e assaltos à mão armada, entre muitas outras. Pancadarias, inclusive aquelas na arena política, são campeãs na preferência das pessoas. O fenômeno ganhou tamanho impulso que agora há um termo em inglês para designar o vício em tragédias: doomscrolling. Trata-se, em resumo, da “tendência de continuar navegando ou percorrendo notícias ruins, mesmo que elas sejam tristes, desanimadoras ou deprimentes”, de acordo com o verbete do dicionário Merriam-Webster. A má notícia — garantimos que a nossa intenção não é fazer alarde — é que o doomscrolling provoca estragos na saúde física e mental.
Cientistas da Universidade Texas Tech, nos Estados Unidos, constataram que 16,5% dos americanos são plenamente viciados em notícias perturbadoras. Outros 27% manifestaram dependência moderada. “O noticiário 24 horas por dia pode provocar um estado constante de alerta em algumas pessoas, fazendo com que o mundo pareça um lugar extremamente perigoso”, escreveu o professor Bryan McLaughlin, principal autor da pesquisa. O efeito do comportamento compulsivo é alarmante. Os dados da universidade mostram que 74% daqueles com vício grave apresentam problemas de saúde mental, como ansiedade, estresse e dificuldade em se desconectar do noticiário. E 61% desenvolvem danos físicos, como fadiga, dores pelo corpo e desconforto gastrintestinal.
Estudos anteriores chegaram a conclusões parecidas. Pouco tempo atrás, a psicóloga Roxane Cohen Silver, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, descobriu que, após o atentado à Maratona de Boston, pessoas que acompanharam ao menos seis horas de cobertura de notícias relacionadas manifestaram estresse mais agudo do que aquelas que estavam na linha de chegada da corrida, onde as bombas explodiram.
Buscar informações é um comportamento natural dos humanos, principalmente em tempos de crise. Faz parte do senso coletivo de sobrevivência conhecer a realidade e se preparar para encarar a existência da melhor forma possível. Portanto, evitar o consumo de notícias trágicas não é uma maneira eficaz de evitar a prática do doomscrolling. Na verdade, manter-se alienado é igualmente danoso, porque impediria que as pessoas descobrissem o que é perigoso de fato.
Os pesquisadores recomendam o equilíbrio — é preciso ser bem informado, mas não ficar “fissurado” pelos flagelos expostos cotidianamente nas redes sociais. Em estudo publicado em janeiro deste ano, a pesquisadora de mídias digitais Kate Mannell, da Universidade Deakin, na Austrália, percebeu que limitar o consumo de notícias trágicas no auge da pandemia, quando o país impôs o lockdown mais rígido, contribuiu para o bem-estar dos entrevistados. Aqueles que deram preferência a informações oficiais e reduziram o tempo gasto com conteúdos trágicos apresentaram maior calma e menor distração nos afazeres domésticos e no trabalho. Cada um pode estabelecer regras particulares, como dedicar um único período do dia ao consumo desse tipo de conteúdo ou selecionar um número de fontes confiáveis.
Nem sempre é fácil seguir a estratégia, até porque as redes sociais se tornaram onipresentes. Ter um smartphone em mãos, afinal, costuma escancarar o acesso a calamidades de todo tipo. A boa notícia — e não é que esta reportagem pode ser edificante? — é que a ciência tem se debruçado sobre o tema, o que certamente resultará em diagnósticos mais precisos do problema e maneiras de combatê-lo. Enquanto isso, o segredo pode ser deixar as redes sociais um pouco de lado. O ciclo de péssimas notícias continuará. Entre casos de varíola dos macacos, emergências climáticas e outros temas apavorantes, o mundo vive um período de instabilidade. O jeito é respirar fundo e não ficar obcecado pelos aspectos negativos da vida.
Publicado em VEJA de 21 de setembro de 2022, edição nº 2807