Vida longa ao Kaiser: a temporada de festas para Karl Lagerfeld em 2023
O imperador da moda será o tema dos principais eventos do universo fashion no ano que vem, quando faria sete décadas de uma carreira excepcional
Um dos maiores ícones da indústria do bem-vestir, o alemão Karl Lagerfeld dizia que a moda é algo para o momento, o aqui e o agora. Vestidos, em sua opinião, não deveriam ser feitos para ficar expostos em museus. Por isso, ele detestava exposições, em especial as que versavam sobre sua atividade. Direto ao ponto: ele nunca viu roupas e acessórios como arte e muito menos estilistas como artistas. “É muita pretensão”, dizia, ao se intitular um artesão. O Kaiser (designação alemã para imperador), como era conhecido, morreu em 2019, aos 85 anos. Em 2023 completaria sete décadas de uma carreira excepcional, efeméride que o tornará tema de alguns dos eventos mais ruidosos desse universo no próximo ano. Justo ele, o estilista que detestava o culto às personalidades da área — qualidade raríssima em um mundo repleto de gente que adora ser venerada —, monopolizará as atenções.
O gênio será ímã da mostra Karl Lagerfeld: a Line of Beauty, no Costume Institute do Museu Metropolitano de Arte de Nova York. Depois, será tema do tradicional baile beneficente do Met, em maio, dando início a uma antologia, que ficará em cartaz até julho na Tisch Gallery, no The Met Fifth Avenue. Um dos acontecimentos mais badalados de gente que gosta de ver e ser vista, o Met Gala ostenta um dos tapetes vermelhos mais estrelados do planeta. Por ele passaram dezenas de celebridades exibindo criações do Kaiser. Na edição de 2019, a última antes do início da pandemia de Covid-19, a editora de moda Anna Wintour, que integra o conselho do museu, e a atriz Penélope Cruz, musa e amiga de longa data, apareceram com peças do costureiro, morto havia três meses.
Nascido em Hamburgo, na Alemanha, Lagerfeld foi escolhido como homenageado do Met pela inigualável contribuição para a moda mundial durante sua bem-sucedida carreira, que começou em 1954 (quando dividiu o Prêmio Woolmark com outro designer emergente, Yves Saint Laurent), até sua morte. Louve-se, em especial, o incrível trabalho realizado à frente da Chanel, grife criada em 1909 por Gabrielle “Coco” Chanel e que ele assumiu à beira da falência em 1982. “Quando tomei a liderança na Chanel, ela era uma bela adormecida. Mas nem era bela, ela roncava”, disse o estilista certa vez. Atribui-se ao seu enorme zelo pelo estilo da casa o sucesso na tarefa de devolvê-la ao topo. “Lagerfeld tinha um enorme respeito pelo design das maisons”, diz a consultora de comportamento Gloria Kalil, referência de moda no Brasil. “Sua inteligência em colocar modernidade sem mudar a essência das marcas o fez ser quem foi.” Ao reinventar a elegância tradicional da Chanel com toques atuais, usando elementos conhecidos da companhia, como o tailleur e o tweed, ele transformou a casa na marca mais icônica do mundo, potência avaliada em 53 bilhões de dólares.
A aparente discrição dos traços manufaturados por Lagerfeld, como homenagem ao passado, parecia não combinar com um homem que incomodava, dada a força de sua presença e a excentricidade lendária. Falava o que bem entendia e apresentava-se sempre com sua gata, Choupette. A aparência emoldurada por looks pretos, luvas, rabo de cavalo baixo e óculos escuros intimidava. “Sou míope”, justificava. Sobre a posteridade, afirmava fazer o possível para que ninguém se lembrasse dele no futuro. Não conseguiu, ainda bem.
Publicado em VEJA de 2 de novembro de 2022, edição nº 2813