Se Silvio Santos encerrou 2016 festejado e homenageado, graças a uma celebrativa exposição no cada vez mais pop MIS (Museu da Imagem e do Som), em São Paulo, em 2017 o saldo é bastante diferente para o Homem do Baú. Em um movimento não orquestrado, mas certamente inédito, diversas personalidades se manifestaram e se ergueram contra o apresentador, que adora disparar barbaridades — entre chistes machistas, racistas ou gordofóbicos — em seu programa, e que retomou neste ano o projeto de fazer um empreendimento imobiliário em torno do Teatro Oficina, o que ameaça o projeto arquitetônico de Lina Bo Bardi (projetista do Masp e do Sesc Pompeia) e a proposta artística da companhia teatral.
Entenda, tópico por tópico, como Silvio Santos desceu do pedestal em 2017.
“Por que não te calas?”
Silvio Santos se acha no direito de falar o que deseja — nem é possível afirmar que ele diz o que pensa, porque muitas das vezes parece mesmo é falar sem pensar. Mas, como reza o ditado, quem diz o que quer ouve o que não quer. E foi assim que, ao classificar (ou desqualificar) a apresentadora Fernanda Lima, a quem chamou de “magrela”, recebeu a mesma resposta que o venezuelano Hugo Chávez diante do impaciente rei Juan Carlos, da Espanha, em 2007. “Por que não te calas?” O embate se deu pela TV. Em seu programa de 2 de julho, Silvio Santos disse que achava Fernanda Lima “magrela, muito magra”. E continuou: “Essa que é a Fernanda Lima? Que faz o programa Amor & Sexo? Com ela, não tem nem amor e nem sexo. Com essas pernas aí? Nada disso. Quem gosta de osso é cachorro”. Fernanda rebateu Silvio com elegância em entrevista ao Pânico. “Acho que o Silvio é o maior comunicador vivo brasileiro, mas, nesse quesito, eu perguntaria: ‘Silvio, por que não te calas?’.”
Fernanda me representa
Fernanda Lima foi corajosa — procure lembrar quantas pessoas, ao longo das décadas, se dirigiram dessa maneira a Silvio Santos. Mas logo viu que não estava sozinha. No Instagram, ela foi apoiada por diversas atrizes da Globo como Camila Pitanga, Taís Araújo, Cris Vianna, Fabiula Nascimento e Alice Wegmann. A Isabela de A Lei do Amor escreveu: “Fernanda me representa. ‘Quer aparecer?’, Fernanda? Apareça. Por favor. De preferência na minha casa pra tomar um chá e falar sobre coisas relevantes, ou então na minha televisão, pra continuar me representando.” Alice fez referência a um comentário feito por Patricia Abravanel — e apagado depois. “Nossa, Fernanda Lima, estou com a maior preguiça de você. Qual sua intenção? Quer aparecer? Pode deixar, vou parar de te seguir, mas não aguentei. Preguiça MASTER. Tudo é um mimimi, mais leveza”, dizia o texto.
É o machismo vestido de piada, jogado ao ar como as notas de R$ 50 que ele oferece à plateia
O embate entre Fernanda Lima e Silvio Santos também deu ensejo para a escritora Milly Lacombe questionar a postura do apresentador em um artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo. “Em seu programa de 13 de agosto, Silvio disse: ‘Às vezes minhas palavras são ofensivas, mas não faz mal’. Faz mal se a ofensa perpetua estruturas de opressão. O que num programa de auditório é ligeiramente ofensivo, nas ruas pode ser irremediavelmente fatal, sobretudo quando se trata de um comunicador alçado à fama por mulheres”, pontuou Milly, lembrando que, como comunicador das massas, Silvio Santos tem responsabilidade pelo que diz.
Homofóbico, machista, misógino
Ainda em julho, dias depois da reação de Fernanda Lima à batatada de Silvio Santos, o humorista João Vicente de Castro, do Porta dos Fundos, também se posicionou contra as bobagens ditas pelo apresentador. É outro fato raro: os humoristas, de modo geral, idolatram o dono do SBT. João Vicente não destoa nesse quesito: ele também o admira como profissional. Mas questiona sua postura diante das minorias. Em participação no Programa do Porchat, da Record, o ator inclusive começou elogiando o empresário, mas depois desceu a lenha, afirmando que não há desculpa para ele se manter “homofóbico” e “machista”.
Até quando as mulheres vão precisar aceitar tudo? Não é não
Nem a pupila Maisa Silva escapou das gracinhas sem graça de Silvio Santos. Em uma das muitas participações que costuma fazer no Programa Silvio Santos, Maisa se sentiu constrangida pelo apresentador, que sugeriu que ela namorasse o também apresentador Dudu Camargo. Diante da insistência de Silvio, Maisa perdeu a paciência. “Não estou aqui para arranjar namorado. É um ultraje você me submeter a uma situação dessa”, disse Maisa, que depois se tornou alvo das redes sociais, onde foi acusada de grosseria. “Até quando as mulheres vão viver precisando aceitar tudo?”, desabafou a atriz no Facebook. Não satisfeito, Silvio Santos quis promover um novo encontro com Maisa e Dudu no seu programa. Ao se ver novamente constrangida, a atriz abandonou a gravação.
O Silvio ficou mesquinho
Outra história que rendeu críticas a Silvio Santos foi o novo round do empresário com o Teatro Oficina, companhia teatral do ator e diretor José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, com sede no Bexiga, região central de São Paulo. Há 37 anos, o dono do SBT tenta erguer um empreendimento imobiliário nos terrenos em volta do prédio que abriga o grupo, cujo projeto, tombado, é assinado pelos arquitetos Flávio Império e Lina Bo Bardi (a mesma do Masp e do Sesc Pompeia). Nos anos 1980, ele tentou comprar o terreno do próprio teatro. Mas, assim como naquela década foi parado por um movimento de artistas e políticos que defenderam o Oficina, incluindo o pianista João Carlos Martins, que era secretário estadual de Cultura e desapropriou o terreno, agora voltou a ser criticado por artistas e políticos como o petista Eduardo Suplicy. A divulgação do vídeo da reunião em que o prefeito de São Paulo, João Doria, tenta achar uma solução que concilie os interesses de ambos os lados deu munição a quem discorda de Silvio Santos. Além de não escutar os argumentos do Oficina, ele faz piadinhas, diz que vai jogar a “drogalândia” (como se refere à cracolândia) no lugar e refuta a ideia de deixar um legado positivo para a cidade ao morrer. “Eu não pretendo morrer”, diz.
Nunca terá a sensibilidade de Zé Celso
Entre os artistas que se alinharam contra o projeto de Silvio Santos estão as atrizes Fernanda Montenegro e Fernanda Torres. Enquanto a mãe prefere não julgar publicamente o apresentador e defende que o Estado defenda o Teatro Oficina, desapropriando os terrenos (pagando a Silvio Santos por eles), a filha é dura com o dono do SBT. “É impossível dotar, tanto o Silvio, quanto o Doria, da sensibilidade do Zé”, disse em entrevista a VEJA.