‘3 Faces’: no interior do Irã, um mundo parado no tempo
Diretor Jafar Panahi volta a desafiar proibição de filmar no país e faz longa sobre repressão da mulher e medo da arte
Tenha paciência com o novo filme de Jafar Panahi, 3 Faces, estreia cabeça deste fim de semana. O longa iraniano, mais interessado na mensagem do que no entretenimento, traz uma viagem pelo interior do país e constrói, entre diálogos banais e longos silêncios, uma denúncia discreta contra o machismo, o patriarcado, o moralismo de um lugar preso ao passado e a obsessão de homens, em geral, por regras inúteis. E, só no último segundo, amarra tudo. Vale a pena esperar.
O filme se coloca como um espelho levemente distorcido da realidade. A bordo de uma SUV, Panahi e a atriz Behnaz Jafari, interpretando a si mesmos, pegam a estrada rumo a uma vila nas montanhas, no noroeste do Irã, onde a língua predominante é o turco (que ela não fala). A viagem é motivada por um vídeo misterioso recebido por Behnaz, em que uma jovem implora por ajuda porque seus pais não querem deixá-la estudar teatro em Teerã. No final do vídeo, a garota parece se suicidar.
Cinema secreto
Behnaz fica abalada, mas também desconfiada, e viaja com o amigo para descobrir se a história é verdadeira. Numa das muitas piscadelas de Panahi à vida real, a atriz o acusa de a estar manipulando para gravar um novo filme. Em outro momento, o diretor atende uma ligação de sua mãe, preocupada com a possibilidade de ele estar filmando de novo. Panahi é proibido pelo governo iraniano de fazer filmes e sair do país por vinte anos, desde 2010, quando foi detido por três meses. Este é o quarto longa que ele lança clandestinamente desde então.
É difícil acreditar que o diretor consiga passar despercebido com seus equipamentos modernos pelas vielas de pedra, paradas no tempo, por onde passa o filme. Também é claro que o governo sabe da ampla repercussão que essas obras proibidas (Isto Não É Um Filme, Cortinas Fechadas, Táxi Teerã e, agora, 3 Faces) tiveram fora do país. Apesar disso, Panahi não foi preso novamente – talvez queiram evitar a publicidade negativa, e se contentem em banir seus filmes do circuito nacional.
O fato é que Panahi tem aproveitado a ameaça para explorar um estilo próprio de cinema: disfarçado, sorrateiro, secreto. Que desvia das regras e finge não ser o que é. Em Táxi Teerã, por exemplo, o diretor se colocou na posição de taxista, gravando as histórias cotidianas da capital, tal qual contadas por seus passageiros – não é ele que diz, são eles. Aqui, o cineasta se coloca mais uma vez como observador e deixa que seus personagens quase-reais – moradores de povoados sem nome, cegos à modernidade como tantos outros, falem por ele.
Homens frágeis, mulheres livres
3 Faces usa a máxima do “mostre, não fale” para ressaltar o abismo que ainda existe entre a vida em cidades globais e no interior de um país radicalmente conservador. Em conversas com parentes e vizinhos da garota que queria ser atriz, Panahi expõe o preconceito hipócrita contra a arte, menos “útil” do que a engenharia ou a medicina, mas consumida pelas mesmas pessoas que condenam seus profissionais ao isolamento e à humilhação. Ele discute, ainda, a masculinidade frágil representada brilhantemente na figura de um boi acidentado, e usa uma estrada ineficiente, jamais reformada, para simbolizar a teimosia e o medo do progresso.
As mulheres, nesse cenário, são como três faces da liberdade. Behnaz tem cabelos vermelhos, fama e poder, mas ouve que precisa de um marido. Dá de ombros. A jovem, interpretada por Marziyeh Rezaei, está prometida há tempos, mas seu noivo vai e vem com a liberdade negada a ela. Não se conforma, nem espera por ele. E há uma terceira figura, que nunca aparece: uma ex-atriz de sucesso que hoje mora sozinha. Ela é um estigma no povoado, o exemplo do perigo que corre Marziyeh. Sua resposta é pintar e dançar.
Diante delas, Panahi faz o que faz de melhor: observa, emoldura, espera. E filma.