A incrível história do quebra-cabeça literário que virou febre no TikTok
Curioso romance criminal dos anos 30 chega ao Brasil desafiando os leitores a decifrar sua trama
No início da década de 30, o compilador de palavras cruzadas do jornal inglês The Observer, Edward Powys Mathers — que assinava sob o pseudônimo Torquemada —, escreveu um mistério policial intrincado com seis assassinatos. A história de 100 páginas, batizada de A Mandíbula de Caim, foi impressa em ordem aleatória e publicada como uma espécie de livro-charada em 1934. Apaixonado por enigmas, ele desafiou os leitores a desembaralhar as páginas, vertendo o enredo em um dos quebra-cabeças literários mais difíceis de todos os tempos. “Existe uma ordem inevitável, aquela em que as páginas foram escritas”, alerta na obra original.
Quase noventa anos depois, o livro virou febre entre usuários do TikTok, e acaba de chegar ao Brasil pela editora Intrínseca. A proposta é a mesma de seu primeiro lançamento: desafiar os leitores a gastar os miolos para decifrar o mistério. A edição brasileira tem as páginas destacáveis e uma folha de respostas que deve ser enviada à editora preenchida pelos corajosos que toparem o desafio. Além da ordem correta das páginas, é preciso elencar quem são as seis vítimas e por quem elas foram mortas. “O gabarito está guardado a sete chaves e com acesso restrito. Os poucos que sabem as respostas tiveram de assinar um acordo de confidencialidade”, explica o editor Lucas Telles.
A tarefa é hercúlea: o número de combinações possíveis é uma cifra inacreditável de 158 dígitos e apenas três pessoas encontraram o arranjo correto neste quase um século. Duas delas em 1934, quando Torquemada lançou o desafio valendo 25 libras. Depois disso, a obra saiu de circulação e quase foi perdida para sempre. Voltou à tona em 2016, quando o museu inglês Laurence Sterne Trust recebeu um exemplar e resgatou a solução. Em 2019, a instituição se aliou à editora independente Unbound e lançou um novo desafio: os proponentes receberam as páginas em uma caixa, e quem entregasse a resposta correta embolsaria 1 000 libras. Doze pessoas tentaram, mas apenas o escritor inglês John Finnemore foi bem-sucedido.
A editora manteve o gabarito em segredo e lançou o livro oficialmente em 2021. A história viralizou no fim daquele ano, quando a jovem americana Sarah Scannell postou um vídeo no TikTok tentando solucionar o mistério de modo detetivesco. Desde então, ela compartilha atualizações da empreitada que converteu a parede de seu quarto em um quadro investigativo com páginas para todos os lados. Na rede chinesa, outras centenas de pessoas tentam montar o quebra-cabeça: a hashtag Cain’s Jawbone já tem mais de 80 milhões de visualizações e a busca pela obra foi tal que a editora teve de lançar nova impressão após os exemplares se esgotarem.
Imortal da Academia Brasileira de Letras, o escritor Marco Lucchesi tenta desvendar a obra desde que foi republicada em inglês. “Esse livro jamais termina. Há quatro anos adentrei a narrativa. Já não consigo, nem pretendo, abandoná-la”, escreve na apresentação da obra. Agora, o desafio está disponível também em português. “Estamos estudando a melhor forma de recompensar quem resolver o enigma”, diz Telles. Haja tutano.
Publicado em VEJA de 14 de dezembro de 2022, edição nº 2819
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