‘Amor, Sublime Amor’: Spielberg recria clássico na era da diversidade
Ao revisitar o filme de 1961, o cineasta o transforma em um colorido manifesto político
Pelas ruas de Nova York, uma gangue de garotos mal-encarados transita delimitando sua área de atuação. Por perto, outro grupo igualmente mal-encarado também tenta impor seu domínio. A demonstração de poder, com brigas e vandalismo, ocorre não por meio de murros e sangue, mas sim por elaborados passos de balé. O inusitado retrato da belicosidade masculina embalado com o gracioso estilo de dança é um dos vários pioneirismos de Amor, Sublime Amor, clássico musical da Broadway dos anos 50, com canções de Stephen Sondheim e Leonard Bernstein, e coreografia de Jerome Robbins, vertido em filme em 1961. Aclamado como um dos grandes musicais da história, a produção era tida como irretocável e atemporal. Logo, o anúncio de que Steven Spielberg faria um remake foi tratado como um capricho temerário — o que, claro, se revelou um receio sem fundamentos. Pois o resultado é o belíssimo Amor, Sublime Amor (Estados Unidos, 2021, já em cartaz), uma versão nova, mas fiel ao clássico, com camadas extras adicionadas aos personagens e uma bem-vinda injeção de energia. Para isso, Spielberg não inventou a roda: a trama e as letras das músicas são as mesmas, assim como a ambientação na década de 50. Mas sua leitura é a de um manifesto político disfarçado de romance — e assustadoramente adequado para o século XXI.
A trama inspirada na tragédia shakespeariana Romeu e Julieta segue Tony e Maria, vividos pelos adoráveis Ansel Elgort e Rachel Zegler (leia a entrevista), dois jovens apaixonados em lados opostos da guerra entre os Jets, gangue formada por descendentes de irlandeses, e os Sharks, de imigrantes porto-riquenhos. O casal divide o protagonismo com os líderes das gangues, Riff (Mike Faist) e Bernardo (David Alvarez), além de Anita (Ariana DeBose), namorada de Bernardo — todos impecáveis.
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Mesmo embalado para uma nova geração, o remake claramente busca atiçar a memória dos fãs. As comparações são inevitáveis e legítimas. É o caso do encontro de Maria e Tony, que cruzam olhares num acalorado baile na quadra de uma escola. No filme de 1961, os demais atores são borrados por efeitos deveras datados, enquanto o casal se beija ali, como se ninguém estivesse olhando. Agora, hipnotizados um pelo outro e cientes da celeuma que podem causar, eles caminham até a parte de trás da arquibancada, onde fazem um jogo de sedução inocente, mas cativante. “Você não é de Porto Rico”, diz ela. “Isso é um problema?”, questiona ele.
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Celebrado por abrir espaço para atores estrangeiros, entre eles a incontornável Rita Moreno — que, no papel de Anita, conquistou o primeiro Oscar para uma atriz latina —, Amor, Sublime Amor carrega consigo sua cota de preconceito. Rita era a única porto-riquenha no elenco formado por americanos de maquiagem marrom carregadíssima. Aos quase 90, ela volta na nova versão como Valentina, esposa do farmacêutico Doc, que abriga Tony e tenta ajudá-lo a viver seu grande amor.
Spielberg mostrou mais respeito pela diversidade, como prega o filme. Para além de eleger um elenco com latinos, ele abraçou o uso do espanhol acima do inglês de sotaque macarrônico. Também deu mais voz às mulheres e ao rapaz trans, já presente no primeiro filme. Alguns musicais foram reinterpretados, mesmo sem alterações nas letras. Cool, número que exaltava a briga entre as gangues, se tornou um protesto contra o uso de armas em uma coreografia de tirar o fôlego entre Riff e Tony. Detalhes assim fazem toda a diferença.
Publicado em VEJA de 15 de dezembro de 2021, edição nº 2768
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