Balança mas não cai: os sutiãs mais confortáveis estão em alta
Modelos sem bojo nem aros metálicos ganham a preferência entre as mulheres, ideia que serve aos humores de hoje
Na cena inicial de Psicose, o incontornável clássico de Alfred Hitchcock, de 1960, a câmera sai dos edifícios sem graça da cidade conservadora de Phoenix, no Arizona, para entrar no quarto e então na cama onde está uma jovem, Marion Crane, vivida pela adorável Janet Leigh. A vesti-la, apenas um sutiã branco e volumoso. Fez furor, provocou imenso ruído, ainda que aos olhos contemporâneos soe quase pueril. “Senti necessidade de filmar daquele jeito a primeira tomada porque o público muda e evolui”, diria o diretor britânico. Atento aos humores da sociedade, ele intuiu que a lingerie, uma simples peça íntima, teria poder de um manifesto político. Os tempos mudavam, e Hitchcock tratou de iluminá-lo na pele de sua personagem deitada.
Cobrir ou não cobrir os seios ainda hoje, e cada vez mais, é um modo de expressão feminina. A atual valorização do conforto e da simplicidade, com sapatos baixos e conjuntos de moletom, serve de atalho para uma vontade das mulheres: mostrar os seios de modo mais natural possível. Resultado: saem de cena os modelos com bojos, com estruturas de espuma circulares que cobrem e moldam os seios, e os aros inferiores, destinados à sustentação — o item muda o formato e impõe um visual mais levantado ao busto. Entram em cena as peças com tecido liso ou rendadas, com acabamento discreto e que não camuflam o real formato do peito. Pesquisas no mercado brasileiro apontam que as vendas de sutiãs mais confortáveis quintuplicaram no comércio on-line de um ano para cá e aumentaram em 50% nas lojas físicas no último ano. “As mulheres têm buscado uma sensualidade mais natural e elegante”, diz Alvaro Gutierrez, diretor da divisão brasileira do grupo italiano Calzedonia, da marca Intimissimi. De olho na tendência, respeitadas etiquetas decidiram dar um chega pra lá no pudor e exibiram em desfiles recentes o sutiã em carreira-solo — sem blusa —, em composição com calças alfaiataria e saias, com o colo e o abdome à mostra. Foi o caso, por exemplo, das francesas Celine e Jacquemus, e da italiana Alberta Ferretti.
Convém sempre prestar atenção aos movimentos do sutiã, porque eles realmente dizem mais do que parece. Tome-se como exemplo o célebre episódio de 1968, em Atlantic City, nos Estados Unidos, quando um grupo de mulheres ensaiou a queima do artigo como forma de protesto contra o machismo do concurso Miss América. O que se viu foi um ato simbólico de descarte de itens que se dizia serem “aprisionadores”. Logo em seguida, durante os anos do movimento hippie, o artigo praticamente caiu em desuso entre as mulheres mais descoladas. No vaivém da moda, retornou com estardalhaço nos anos 1980, quando os seios fartos e a sensualidade recuperaram espaço. “Com o passar dos anos, o sutiã perdeu a carga de opressão que carregava e sua aparição aos poucos deixou de ser um grande tabu”, diz Laura Ferrazza, autora do livro Quando a Arte Encontra a Moda. Agora, em plena pandemia, com muita gente em casa, não se trata de queimá-lo — mas de louvar modelos que deixam leve e solto o que está por trás deles.
Publicado em VEJA de 12 de maio de 2021, edição nº 2737