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Biografia investiga a face humana e o mito Elvis Presley na juventude

Em 2022, quando se completam 45 anos sem o astro, ele é revisitado em livro, um filme com Tom Hanks e novas regravações

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h59 - Publicado em 14 Maio 2022, 08h00
EXPLOSÃO - O jovem Elvis: cantor branco e pobre deu fama a um ritmo negro -
EXPLOSÃO - O jovem Elvis: cantor branco e pobre deu fama a um ritmo negro – (Sunset Boulevard/Corbis/Getty Images)

Em 1957, no auge da revolução do rock’n’roll, Elvis Presley leu uma irada declaração de Frank Sinatra. Num jornal, o eterno crooner de My Way detonava o ritmo então personificado pelo jovem endiabrado de topete, aos 22 anos. O rock “é cantado, tocado e escrito basicamente por cretinos que ficam repetindo letras quase imbecis, lascivas e literalmente sujas. É a forma de expressão mais brutal, feia, desesperada e terrível que já tive a infelicidade de ouvir”, disparou Sinatra. Em resposta, Elvis apenas disse: “Eu o admiro. Tem o direito de falar o que quiser, mas o rock é uma tendência, exatamente como aconteceu com ele anos atrás”. Foi uma resposta diplomática e profética.

Ritmo rebelde e dado como morto inúmeras vezes nos últimos anos, o rock surge apenas como pano de fundo nos primórdios da vida de Elvis. Mas se tornaria tão intimamente ligado à sua imagem quanto os rebolados que popularizou no palco. São justamente os 23 primeiros anos de vida do cantor que o escritor Peter Guralnick narra com alentada energia em Elvis: o Último Trem para Memphis, obra lançada originalmente em 1995 e que agora ganha sua primeira versão em português, pela Belas Letras. No livro, Guralnick contorna o mito e foca em quem foi Elvis Presley para além da fama, reconstituindo eventos saborosos como da discussão com Sinatra. O segundo volume da biografia, intitulado Careless Love, retrata a vida dele dos 24 anos até sua morte, aos 42, inchado e decadente, e sairá no Brasil em 2023.

Elvis Presley: Último trem para Memphis

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O lançamento em português do primeiro volume dessa que é tida como a biografia definitiva de Elvis ocorre no momento em que se completam 45 anos de sua morte, e ajuda a reviver o fascínio inesgotável que o artista desperta. Em julho, Elvis ganhará uma cinebiografia, dirigida por Baz Luhrmann e protagonizada por Austin Butler, que mostrará sua juventude e o conturbado relacionamento com o excêntrico empresário Coronel Parker (Tom Hanks). Na esteira do filme, sairá também uma trilha sonora em que estrelas do pop atual como Doja Cat, Kacey Musgraves e Yola criam versões moderninhas dos clássicos de Elvis.

Em sua pesquisa, que durou quase vinte anos, o biógrafo (leia entrevista abaixo) notou que a construção do mito Elvis Presley coube, em boa medida, ao próprio Parker — o qual também ganhará uma biografia em breve, escrita por Guralnick. O autor teve acesso a uma coleção de cartas que dão nova perspectiva sobre o empresário. Nascido na Holanda, Parker imigrou ilegalmente para os Estados Unidos na juventude e escondeu a verdadeira nacionalidade até a morte de Elvis. Bem relacionado, era amigo do ex-presidente Lyndon Johnson, e ninguém ousava contrariá-lo. Mas, com receio de ter sua identidade descoberta ao cruzar fronteiras, Parker jamais permitiu que Elvis fizesse shows fora dos Estados Unidos e Canadá.

PARCEIRA - Elvis com Coronel Parker: ele jamais trocou de empresário -
PARCEIRA - Elvis com Coronel Parker: ele jamais trocou de empresário – (James Reid/Divulgação)

Em O Último Trem para Memphis, o Coronel é uma presença forte, mas que nunca obscurece o personagem central. Nas 638 páginas, Guralnick conta a história de Elvis até o ano de 1958, encerrando o livro com seu alistamento no Exército americano. “O ano de 1958 foi um divisor de águas na vida de Elvis. Naquele ano, a mãe dele morreu enquanto ele estava na Alemanha servindo no Exército”, explicou o biógrafo a VEJA. Foi na temporada alemã, aliás, que Elvis conheceu sua esposa, Priscilla Presley, quando ela tinha 14 anos e o músico, 24.

Retorno do rei: A grande volta de Elvis Presley

Berço da música popular americana, a região de Memphis e o delta do Rio Mississippi surgem como personagens à parte no livro. A história da região se mistura com a própria trajetória de Elvis e, em especial, com a da gravadora Sun Records. Fundado por Sam Phillips, o selo pretendia revelar músicos negros para o público branco em uma era de segregacionismo. Mas, ironicamente, a Sun descobriu, além de Elvis, outros músicos brancos como Johnny Cash e Jerry Lee Lewis.

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Na época, a região era um barril de pólvora prestes a explodir — vale lembrar que foi na Memphis natal de Elvis que, em 1968, o líder da luta pelos direitos civis Martin Luther King Jr. foi assassinado. Vivendo num subúrbio pobre habitado pelos negros e absorvendo suas lições musicais, o jovem Elvis provou — com perdão ao grande Sinatra — que o rock pode ser, sim, música de primeira. Apesar das teorias conspiratórias que rezam o contrário, o roqueiro morreria em 1977, como uma caricatura grotesca do que havia sido — mas o legado que produziu em sua juventude não morrerá nunca.

“Ele acreditava ter missão na terra”
O biógrafo Peter Guralnick falou a VEJA sobre o legado de Elvis Presley, 45 anos após a morte do artista.

ESTUDIOSO - Guralnick: vinte anos de pesquisa sobre o rei do rock -
ESTUDIOSO - Guralnick: vinte anos de pesquisa sobre o rei do rock – (Jessica Rinaldi/The Boston Globe/Getty Images)

Por que Elvis ainda desperta tanto interesse? Pela mesma razão que no passado. Há um sentimento profundo em sua voz, que cativou as pessoas primeiramente pelas rádios, bem antes de o público conhecê-lo no palco, na TV ou nos cinemas.

Os melhores trabalhos do artista surgiram na juventude? Quando jovem, Elvis realmente acreditava que tinha sido escolhido para uma missão na Terra. A morte da mãe, que sempre o apoiou, foi como se uma cortina caísse. E, quando a cortina subiu novamente, ele voltou mais forte. Suas crenças foram desafiadas e, no início dos anos 1960, ele fez suas melhores gravações.

O rock surgiu com os negros, mas foi popularizado por Elvis. Se ele fosse negro, teria sido diferente? Elvis fez sucesso porque era um grande artista. Ele admirava os grupos negros de gospel e blues. O que nunca pode ser esquecido é que cresceu em uma sociedade racista — e que continua assim. A Memphis de hoje não é muito diferente daquela em que Martin Luther King Jr. foi assassinado, em 1968.

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É possível imaginar o que Elvis teria feito se não tivesse morrido tão jovem? Ele estava profundamente deprimido nos últimos anos de vida. Mas digamos que tivesse superado tudo: acho que uma volta à música gospel, gênero que cantava antes do rock, teria dado a ele satisfação na maturidade. Elvis não estava mais interessado em cantar Heartbreak Hotel.

Publicado em VEJA de 18 de maio de 2022, edição nº 2789

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