Um Nordeste moderno e arcaico, violento e terno e que, acima de tudo, resiste é o cenário e o personagem principal de Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, apresentado na noite desta quarta-feira, 15, na competição do Festival de Cannes. A sessão de imprensa teve algumas desistências – não é incomum que jornalistas deixem sessões, por variados motivos-, mas também um bocado de aplausos ao final.
Kleber Mendonça Filho deixa a paisagem urbana do Recife, abordada em O Som ao Redor e Aquarius, que também participou da competição em Cannes, três anos atrás, para ir ao sertão pernambucano. Bacurau é uma pequena cidade fictícia que acaba de perder sua matriarca, Dona Carmelita (Lia de Itamaracá). O vilarejo some, então, do mapa. O sinal de celular também desaparece. E assassinatos começam a acontecer. Só que o lugarejo formado por personagens em geral simples e sem recursos não vai aceitar isso simplesmente.
O filme desfila uma galeria variada de personagens, sem focar muito em nenhum. Os maiores destaques são Teresa (Bárbara Colen), que vem da cidade grande trazendo remédios, a médica sem papas na língua Domingas (Sonia Braga) e Michael (Udo Kier), estrangeiro que está envolvido nos misteriosos crimes. Já Lunga (Silvero Pereira) é uma quase lenda de gênero fluido, visto como bandido por uns e herói por outros.
Com uma mistura de gêneros que vai do western e do western spaghetti à ficção científica, do surreal ao filme de cangaço, com toques de terror à John Carpenter, subvertendo mitos e exaltando outros, Bacurau é cerebral, mas também intrigante e por vezes engraçado, mas lhe falta um pouco de tensão. É uma ode à resistência cultural, seja aos estrangeiros ou ao dominante eixo Rio-São Paulo, e também à resistência política contra os governantes desinteressados no povo e que lucram com a sua desgraça.