Clubes do livro ganham força em meio à pandemia
Modalidade conquistou adeptos durante a quarentena e é uma opção cômoda para manter o hábito de leitura em dia
A crise no mercado editorial brasileiro não é de hoje, e a pandemia do coronavírus deu à situação contornos ainda mais dramáticos com o fechamento das livrarias em todo o país. Diante deste cenário, os clubes de livros despontaram como uma alternativa cômoda para alimentar o hábito de leitura durante o confinamento, conquistando mais adeptos com uma premissa simples: os usuários desembolsam um valor mensal e recebem, no conforto do lar, um livro selecionado por curadores. A obra, usualmente, é entregue em uma caixinha acompanhada de brindes, que variam de chaveiros a um título adicional, a depender do clube e do pacote escolhido.
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Clique e AssineCom planos a partir de 49,90 reais ao mês, o Intrínsecos, da editora Intrínseca, registrou um aumento de 117% em seus assinantes somente no mês de maio. Parte disso, é claro, deve-se à revelação de que o título de junho seria o lançamento antecipado de A Vida Mentirosa dos Adultos, aguardado romance de Elena Ferrante — que, para os demais leitores, só chega às livrarias em setembro. Mas sua ascensão é uma tendência desde o início da quarentena, e tem impacto para além das assinaturas. “É um crescimento geral do interesse. Tivemos um aumento nos assinantes mas vimos também um crescimento no número de seguidores nas redes sociais, no acesso aos nossos blogs e no tempo de permanência em nossos conteúdos”, relata Danielle Machado, editora-executiva da Intrínseca, que aponta a curadoria minuciosa como o grande diferencial da modalidade.
Quem também observou um aumento considerável na procura foi a TAG, que anotou um salto de 70% nas visitas ao site na comparação com o período pré-pandemia. Segundo o sócio Arthur Dambros, a maior procura pela literatura é um reflexo da fase de angústia e ansiedade que o mundo enfrenta, que leva à busca por hábitos mais saudáveis. Apesar disso, o período também impõe certa dificuldade de concentração, o que motivou a empresa a criar o Conexão TAG, um portal online destinado a reunir os assinantes para leituras conjuntas, e que compila vídeos de autores, capítulos em áudio, podcasts e materiais para download. “Num momento tão fragmentado como esse, os leitores gostam do contato que a gente proporciona. O clube não só facilita a vida como produto, mas também é uma espécie de aconchego diante de toda a incerteza”, analisa ele.
Para desfrutar dos benefícios da TAG, é preciso desembolsar de 45,90 a 62,90 reais mensais, a depender da modalidade escolhida. Além do livro, a caixinha inclui ainda uma revista explicativa sobre o autor e a obra, marcador de páginas e os ditos “mimos literários”. O valor, no entanto, não é acessível a todos, especialmente em um momento em que muitas famílias lidam com dificuldades financeiras. Por isso, embora as assinaturas tenham aumentado, houve também um movimento contrário de cancelamentos por motivos financeiros. Dambros relata que justificativas anteriormente não tão comuns para o desligamento, como a perda do emprego ou o receio de comprometer-se com uma assinatura, tornaram-se mais frequentes no contexto de incerteza econômica atual.
Para driblar essa situação, a Leitura, a única das grandes redes de livrarias a aderir aos clubes de livros, lançou no início do mês o Clube Leitura Mini, um plano simplificado que sai por modestos 19,90 reais mensais, o mais barato do setor. A opção econômica surgiu depois que o clube, que oferece pacotes de temáticas e valores diversos, registrou um aumento de 50% nos cancelamentos de março e abril em relação a fevereiro, período anterior à implantação da quarentena. “A procura aumentou, tivemos uma demanda maior de e-mails, perguntas e o número de assinaturas cresceu entre 15 e 20%. Em contrapartida, para quem já estava na base, notamos um aumento nos cancelamentos pela perda de renda”, explica Igor Mendes, gerente de produtos.
A aposta em um plano de custo reduzido mostrou-se certeira: com uma semana de lançamento, a média diária de novos assinantes aumentou em cinco vezes, boa parte deles, desertores de outros pacotes que, com a opção de baixo custo, conseguiram encaixar a mensalidade no orçamento apertado. “Conseguimos retomar muitas das assinaturas canceladas, era uma questão puramente financeira, as pessoas estavam receosas de terem renda para manter o produto”, analisa Mendes.
Mas, afinal, qual o atrativo de um clube de leitura?
Com uma infinidade de livros disponíveis para serem escolhidos ao bel-prazer, a ideia de comprometer-se com uma assinatura que dita qual será a sua próxima leitura é um tanto curiosa – mais ainda levando-se em conta que, na maioria das vezes, a assinatura é um tiro no escuro, já que o leitor nem sequer sabe qual título receberá até abrir a caixinha. Mas a ideia de ter alguém escolhendo suas leituras, combinada ao fator-surpresa, parece ser justamente o que atrai o público leitor. “Quem está no clube quer descobrir novos livros, sair da zona de conforto literária e explorar autores que sozinho não exploraria. O livro surpresa é a grande delícia da brincadeira”, aponta Dambros.
Para Danielle Machado, a curadoria é o grande diferencial na hora de optar por um clube de livros. Em meio a uma infinidade de títulos disponíveis no varejo, filtrar os lançamentos e selecionar o que vale ou não a pena nem sempre é uma tarefa fácil. O clube, assim, funciona como uma espécie de orientador, guiando o leitor em sua caminhada literária. “O catálogo da Intrínseca é muito amplo e com a variedade vem junto também o cuidado em apostar no que é de interesse de muita gente. Sempre buscamos procurar livros bons e que alcançam muitas pessoas”, explica a editora.
Em tempos, a modalidade também oferece aos seus integrantes uma ideia de pertencimento e comunidade muito bem-vinda em meio a quarentena, momento em que as relações sociais estão inevitavelmente escassas. Um sintoma disso é o aumento no acesso aos conteúdos digitais dos clubes, que mais do que simplesmente oferecerem um livro por mês, criam um ambiente acolhedor para que os assinantes compartilhem percepções sobre as obras. “Os leitores entram no universo do livro de forma conjunta, mesmo que se compre o mesmo livro no varejo, a experiência é diferente”, afirma o sócio da TAG. Um alento necessário em tempos de cólera.