Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99
Continua após publicidade

Como a Justiça da França iluminou um personagem fascinante da arte moderna

Colecionador atento, Ambroise Vollard foi o primeiro a prestar atenção em nomes como Renoir, Cézanne, Gauguin, Van Gogh e Picasso

Por Fábio Altman Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h22 - Publicado em 4 mar 2023, 08h00

Há um personagem fascinante, de quem pouco se fala, na aventura da arte moderna do fim do século XIX e início do século XX: Ambroise Vollard. Colecionador atento, ele foi o primeiro a prestar atenção em nomes como Pierre-Auguste Renoir, Paul Cézanne, Paul Gauguin, Vincent van Gogh e Pablo Picasso. As exposições inaugurais desse elenco tiveram o olhar visionário e a carteira de Vollard. Em 1895, com apenas 29 anos de idade, numa temporada como qualquer outra de sua trajetória, ele expôs Gauguin em março, Van Gogh em maio e Cézanne em setembro.

Em 1901, apresentou ao mundo telas de inesperada tonalidade azul de um certo pintor malaguês que reescreveria a história da estética. De brincadeira, os amigos artistas buliam com a sonoridade de seu sobrenome. Um apelido jocoso foi inventado para aquele homem fundamental de uma geração sem lenço nem documento: vole-art, ou rouba-arte. Era conhecido pelos ataques de mau humor e pelos acessos repentinos de sono. Alto e forte, macambúzio, “parecia melancólico”, na definição da escritora Gertrude Stein, porto seguro parisiense de toda a turma do pincel.

VISIONÁRIO - Ambroise Vollard: fundador de uma geração inigualável
VISIONÁRIO - Ambroise Vollard: fundador de uma geração inigualável (Harlingue/Roger-Viollet/AFP)

Vollard morreria em julho de 1939, aos 73 anos, em um acidente de carro, de um modo que só ele poderia morrer — numa curva de estrada a caminho de Paris foi atingido na nuca por uma escultura de bronze que levava a bordo. Sem filhos — sabia-se apenas de uma amante que sumiu do mapa —, deixou como legado cerca de 6 000 obras, que guardava até debaixo da pia da cozinha ou atrás da porta do banheiro. No mês passado, em mais um fascinante episódio de uma aventura inigualável, ele voltou a fazer barulho. Um tribunal de Paris ordenou que o Museu d’Orsay restitua aos herdeiros de Vollard — descendentes de seus irmãos — quatro obras-primas de Renoir, Cézanne e Gauguin, que foram roubadas durante a II Guerra Mundial e vendidas aos nazistas. O museu devolverá duas pinturas de Renoir, uma paisagem marítima de Guernsey de 1883 e um estudo para o clássico Julgamento de Paris, de 1908; a Natureza Morta com Mandolim, de Gauguin, feita em 1885, e uma vegetação rasteira de Cézanne, terminada em 1892. Não haverá reclamação na Justiça, agora, depois de dez anos de queda de braço. “Ainda que pareça normal o Estado verificar com cautela a origem de qualquer obra de arte antes de definir a restituição, o processo demorou tempo demais”, lamenta um dos advogados da disputa, François Honnorat. É cuidado, aliás, que Vollard não tinha, comprador voraz de tudo o que lhe parecia bonito e diferente.

Continua após a publicidade

O modernismo deve muito a ele, e ao redor daquela figura desenham-se os dramas de um século embebido de horror. Em 1914, ele foi forçado a fechar sua galeria, com a eclosão da I Guerra. Durante a II Guerra, a coleção foi dispersada. Parte seguiu de navio para os Estados Unidos, parte caiu na mão dos alemães. Ao fim do conflito, muitas telas foram devolvidas à família — uma lista imensa, porém, saiu direto de mãos nazistas para museus, entre eles o d’Orsay. Contudo, como as circunstâncias das transações não eram claras, houve um extenso vaivém jurídico. Além disso, Vollard não era judeu e suas propriedades não foram confiscadas sob as leis raciais promulgadas pela França ocupada pelos alemães, o que adiou o desfecho legal. Mas, enfim, a verdade foi restabelecida — prêmio à delicadeza de um gênio à sombra.

Publicado em VEJA de 8 de março de 2023, edição nº 2831

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.