Zé Celso foi um dos nomes mais prolíficos do teatro brasileiro – e da cultura nacional, por extensão. Morto nesta quinta-feira, 6, em decorrência de um incêndio em seu apartamento que atingiu mais de 50% de seu corpo, deixa um legado de resistência ao regime autoritário. Por meio da companhia Teatro Oficina, fundada em 1958 junto de alguns amigos, o dramaturgo pregava uma arte totalmente livre de pudores e das amarras estrangeiras, com peças reinterpretadas para os palcos nacionais à luz da tropicália sessentista. Com texto questionador, não demorou muito para ser considerado afrontoso à ditadura militar.
Em 1974, Zé Celso foi preso e torturado no extinto Dops (Departamento de Ordem Política e Social). Conforme contou a VEJA em uma entrevista de 2017, não sabe sob qual acusação. “Me penduraram no pau de arara, me deram choque elétrico no corpo todo, é horrível. Eu até hoje tenho um problema grave de coluna. Me cercaram, me esmurraram, me arrancaram dente. E depois eles me deixaram um tempo num lugar, uma solitária, com muros enormes e luz acesa o tempo todo. Eu ficava dizendo as peças que sabia de cor para não enlouquecer. E ouvia as chibatadas que davam, ouvia os gritos da tortura. Fiquei preso uns dois meses. Quando estourou a Revolução Portuguesa e chamaram a companhia, minha irmã namorava um juiz do tribunal militar, que me deu saída. Fiquei quatro anos fora.”
À luz da conjuntura política da época da entrevista, o dramaturgo revelou que não pensava em deixar o país novamente, apesar das aflições. “Estou me sentindo torturado de novo, mas não arrego. Não vou sair do Brasil, aconteça o que acontecer. Aqui, você tem cultura popular, tem escola de samba, a Vai-Vai fica aqui no Bixiga, o povo brasileiro é muito mais próximo do povo grego do que na Europa”, avaliou.