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‘Culpa não é só desse governo’, diz André Sturm sobre crise na Cinemateca

O cineasta e ex-secretário de Cultura paulistano conta como recebeu a notícia de que o incêndio em galpão da instituição consumiu um acervo que ele doou

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 2 ago 2021, 18h04 - Publicado em 2 ago 2021, 17h47
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  • Empresário do ramo cinematográfico desde 1989, quando fundou a distribuidora Pandora Filmes, o cineasta e ex-secretário da Cultura da cidade de São Paulo, André Sturm, de 55 anos, lamentou em entrevista a VEJA o incêndio que atingiu a Cinemateca na última quinta-feira, 29, na capital paulista. Parte do material destruído tinha sido doada por ele, como cópias de filmes em 35mm e documentos. Para Sturm, a tragédia, além de escancarar o descaso público com a memória audiovisual brasileira, também foi uma tragédia pessoal – afinal, seu primeiro emprego, no início dos anos 1990, foi justamente na Cinemateca. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

    Como recebeu a notícia de que parte do material queimado na Cinemateca foi doada pelo senhor? Recebi com muita tristeza. Sempre fui um cineclubista e, ao longo da minha vida, reuni centenas de cópias de filmes em 35 mm. Conforme os filmes da Pandora também deixavam de circular, eu também guardava uma cópia. Essa coleção ficava em uma edícula que construí especialmente para isso, com climatização e funcionários de manutenção. Num certo momento da minha vida, já não dava mais para eu cuidar dela e decidi doar para a Cinemateca. Infelizmente, essas cópias estavam na área que pegou fogo. O que queimou eram cópias e esses filmes não deixarão de existir, mas hoje em dia não é fácil encontrar cópias em 35 mm. Elas tinham um valor histórico muito grande. Eram títulos como Cidadão Kane, Laranja Mecânica e também do acervo da Pandora, como As Bicicletas de Belleville, Vozes Distantes e Lili Marlene.

    Qual é o sentimento de saber que esse material todo foi destruído? Foram 27 anos construindo essa coleção que doei para a sociedade, na certeza de que a Cinemateca cuidaria melhor desse acervo do que eu. Sou um colecionador, tenho um carinho por guardar, organizar, cuidar. Meu primeiro emprego na vida foi lá. Eu era garoto e cuidava da área de programação. Hoje, a Cinemateca vive uma – para usar uma frase batida – “crônica de uma morte anunciada”. Há muitos anos que ela está assim. E a culpa não é só desse governo – porque ele tem responsabilidade, sim, com esse incêndio -, já que esse desmonte vem desde 2013. De lá para cá, nunca mais se cuidou com o devido afinco. Acusar o atual governo é um discurso fácil porque, no caso da Cinemateca, infelizmente, foram três governos que não deram o cuidado que deveria. Para ser justo, o único que tentou achar uma solução foi o do Michel Temer.

    Como resolver a situação da Cinemateca? A solução é um contrato com uma instituição privada sem fins lucrativos, ou seja, uma OS. Não tem outra solução. Não dá para o governo administrar de maneira direta. Uma OS não é uma privatização, nem é uma terceirização. Hoje, todas as instâncias do governo estão sujeitas à Lei das Licitações, criada para impedir a corrupção. Essa lei, no entanto, foi pensada para obras públicas. Quando se fala em cultura, com todo o respeito, não estamos falando de tijolo. Como fazer uma licitação para contratar uma Gal Costa, por exemplo? Só existe uma Gal Costa, não tem concorrência.

    Qual é a importância da existência da Cinemateca na preservação da memória do país? Não tem país sem memória e o audiovisual é a melhor maneira de mantê-la. Tanto no documentário, quanto na ficção. É um retrato de uma época. Todos os países com consciência da sua própria história têm uma cinemateca. A Cinemateca brasileira era um exemplo no mundo, com um laboratório conceituado de restauro. O que mais me dói é que não custa caro manter a Cinemateca. Não estamos falando de 100 milhões de reais por ano. Estamos falando de um investimento que não chega a 20 milhões de reais. É aquele dinheiro que custa pouco e vale muito.

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