De ‘This Is Us’ a ‘Grey’s Anatomy’, séries põem em cena drama da Covid-19
Atrações americanas ajustam suas tramas para abordar a pandemia, enquanto se equilibram entre a missão de entreter e o combate ao negacionismo
(Alerta: O texto a seguir contém spoilers da quinta temporada de ‘This Is Us’ e da 17ª de ‘Grey’s Anatomy’.)
A antiga rixa entre Kevin (Justin Hartley) e o irmão adotivo Randall (Sterling K. Brown) — que, como em toda família, já brigaram e também se apoiaram com a mesma intensidade — foi elevada a outro patamar quando uma discussão ferina fechou a quarta temporada de This Is Us. O desentendimento, alimentado por um acúmulo de discordâncias e o trauma da perda do pai, explodiu quando Randall pressionou a mãe, Rebecca (Mandy Moore), a participar de um estudo experimental para retardar os efeitos do Alzheimer — contra a vontade da própria e dos demais irmãos. A rusga se deu no longínquo início de 2020, quando famílias faziam planos como se uma pandemia não estivesse à espreita. Diante da iminência do retorno para uma quinta temporada, a série, exibida no Brasil pelo canal pago Fox Premium, se viu em uma encruzilhada. Popular por sua mescla afinada de drama e humor, que faz dela um novelão escapista, This Is Us deveria ignorar a pandemia, mantendo seu elenco e espectadores em um universo paralelo — ou abordar a Covid-19 e a nova realidade imposta? A segunda opção falou mais alto. Mas, com isso, o roteiro deu uma guinada: o tratamento de Rebecca foi adiado; Kevin entrou numa quarentena inesperada com Madison (Caitlin Thompson), a amiga que ele engravidou; e Randall, abraçando sua negritude, se alinhou ao Black Lives Matter quando o movimento tomou as ruas com a morte de George Floyd. Sacudida por 2020, This Is Us deixou de ser um mero entretenimento banal.
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Cruzar a linha que separa a ficção do noticiário não é estranho ao DNA da TV americana. This Is Us já tocara em assuntos delicados, como alcoolismo e traumas de veteranos da Guerra do Vietnã — mas nunca dera a esses tópicos o direito de conduzir a trama. Assumir como cenário um mundo dominado pela Covid-19 traz consigo o receio em relação à estafa do espectador com o tema, tão onipresente e melancólico. Não à toa, algumas séries ambientadas nos dias atuais deixaram de lado o coronavírus, como The Blacklist em sua oitava temporada, inédita no Brasil, ou a primeira metade da 18ª de NCIS, exibida pelo AXN. Por outro lado, fechar os olhos para a pandemia implica no risco de parecer hipócrita — ou fútil. O showrunner de This Is Us, Dan Fogelman, vai além: “Seria irresponsável da nossa parte não entrar nos eventos de 2020”, disse.
O dramalhão familiar puxou a fila de uma leva de séries que aceitaram o dito “novo normal”. Títulos como a sitcom Black-ish, os dramas médicos Grey’s Anatomy e The Good Doctor, e os bombeiros de Chicago Fire e Station 19 colocaram suas tramas a serviço do combate ao negacionismo, com roteiros informativos que vão desde a importância do uso de máscara até modos de se relacionar com o distanciamento social. Essas séries optaram também por refletir a realidade como uma homenagem aos profissionais que lhe servem de inspiração, levando para dentro das casas a luta enfrentada por eles do lado de fora.
Interrompida abruptamente pela pandemia em março do ano passado, Grey’s Anatomy soube se adaptar na 17ª temporada. Nos novos episódios, que chegam ao Brasil pela Sony na terça 9, flashbacks finalizam a história deixada em aberto e se intercalam com o novo dia a dia do hospital. “É um hospício em chamas”, diz uma médica sobre a rotina. Na volta ao set, a equipe acreditava que a estreia nos Estados Unidos, em novembro, encontraria a pandemia controlada. Ledo engano: uma nova onda da doença deu mais relevância ao programa.
Longeva pela habilidade de combinar o drama da medicina a elementos folhetinescos como romance e humor, Grey’s Anatomy continua apostando nessa mescla, e adicionou ainda a nostalgia como apelo para manter o público interessado. Ao contrair a Covid-19, a protagonista Meredith Grey (Ellen Pompeo) delira e reencontra numa praia o ex-marido morto, Derek Shepherd (Patrick Dempsey). Dilemas pessoais também são combustível da franquia composta por Chicago Med, Chicago Fire e Chicago P.D., sobre médicos, bombeiros e policiais da cidade americana, respectivamente. Enquanto lidam com amores e desafetos, os personagens encaram um mundo que não para, com acidentes, assaltos, overdoses e outras emergências que os colocam nas ruas mesmo com um vírus solto por aí. A abordagem deu certo: a estreia das novas temporadas aumentou a audiência da Universal TV no Brasil em 32%.
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Ao enxergar humor na pandemia, Black-ish também cresceu em audiência, alcançando sua melhor média desde 2018. Na sétima temporada, inédita no Brasil, a sitcom observa as peculiaridades dos tipos da quarentena. A mãe e médica Rainbow (Tracee Ellis Ross) ameaça quem burla o isolamento, enquanto o marido (Anthony Anderson) estoca mantimentos e surta com os filhos em casa. Não tem faltado assunto aos novelões da vida real.
Publicado em VEJA de 10 de fevereiro de 2021, edição nº 2724
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