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Do rock ao rap, como a música pop fez do ‘tinhoso’ um aliado de marketing

Rapper Lil Nas X provoca a Nike e religiosos com o lançamento de um tênis com sangue humano e clipe 'do diabo'

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 29 mar 2021, 17h41 - Publicado em 29 mar 2021, 17h28

Foi-se o tempo em que o rock arrepiava os cabelos dos mais puritanos com letras e atitudes que remetiam ao demônio. Hoje, o rock é mansinho, mansinho. Aparentemente, o papel transgressor e invocador do tinhoso migrou para o pop e o rap. Um dos fenômenos do rap dos últimos anos, Lil Nas X lançou na sexta-feira, 26, o clipe da música MONTERO (Call Me By Your Name), com cenas para lá de controversas que envolvem até uma dancinha no colo do Satanás. Mas o que está tirando o sono de papais e mamães é a ação comercial de um tênis inspirado na música, lançado nesta segunda-feira, envolvendo sangue humano e o esconjurado número da besta, 666.

Lil Nas X se uniu à empresa de calçados MSCHF para lançar o tênis Satan Shoes. O calçado é uma versão customizada do modelo Nike Air Max ‘97 e chamou a atenção por contar em seu solado com uma gota de sangue dos funcionários da empresa. Ao todo, serão disponibilizados 666 pares com a inscrição bíblica “Lucas 10:18” nas laterais. O preço é igualmente diabólico: 1.018 dólares ou 5.700 reais, na infernal cotação do dólar.

A Nike logo se apressou para dizer que não tem nada a ver com a ação. Ao jornal The New York Times, a empresa afirmou que não lançou, não desenhou e não endossou a modificação feita em seus calçados. Por outro lado, a Igreja do Satan, nos Estados Unidos, obviamente, apoiou o lançamento. Se a intenção era causar entre os adultos, Lil Nas X, que tem 21 anos, conseguiu. A conservadora governadora da Dakota do Sul, Kristi Noem, levou o clipe a sério e fez um alerta: “Você sabe o que é mais exclusivo? Sua alma eterna dada por Deus. Estamos em uma luta pela alma da nossa nação. Precisamos lutar muito. E precisamos lutar com inteligência. Temos que vencer”.

O clipe levanta a velha polêmica da associação demoníaca à música pop. No vídeo, Lil Nas X desce até o inferno escorregando em uma barra de pole dance e lá nas profundezas provoca o capeta com uma dança sensual. Lil Nas X, que é homossexual assumido, inverte ainda a narrativa clássica em que o príncipe das trevas é quem seduz os humanos e, não, o contrário. No passado, aparentemente, as coisas pareciam ser menos explícitas – inclusive a adoração ao capiroto. Para conjurar o esquerdo, era preciso tocar um disco ao contrário, ler contra a luz inscrições secretas gravadas no encarte ou, no mínimo, conhecer um pouco do trabalho do filósofo ocultista britânico Aleister Crowley.

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No Brasil, aliás, Raul Seixas e Paulo Coelho, que escreveram que “o diabo é o pai do rock”, eram os mais notórios seguidores de Crowley. “Faça o que tu queres, há de ser tudo da lei”, da música Sociedade Alternativa, por exemplo, era uma das máximas do filósofo. O Led Zeppelin também foi outra banda que se notabilizou pelas referências ao ocultismo. Jimmy Page, por exemplo, era seguidor de Crowley e inseriu dezenas de elementos da filosofia nos discos do Zeppelin, além de ser um dos maiores colecionadores de objetos ocultistas de todos os tipos. Os Rolling Stones não foram tão longe, mas o hit Sympathy for the Devil, por exemplo, foi o responsável por muitos pais proibirem seus filhos de ouvir a banda. Mais recentemente, o grupo Ghost se notabilizou por conjurar o cão, afirmando que suas apresentações eram, na verdade, uma missa negra disfarçada de show de rock.

A despeito do absoluto mau gosto em lançar um tênis com uma gota de sangue humano, Lil Nas X conseguiu o que queria. Ele, que estava um tanto esquecido após o mega sucesso de Old Town Road, uma das músicas mais ouvidas de 2019, fez com que todo o mundo prestasse atenção em sua nova canção, cujo clipe atingiu em apenas três dias mais de 32 milhões de visualizações. Ainda que, para isso, fosse preciso fazer um pacto com o coisa-ruim.

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