“É um erro Doria ser candidato a presidente”, diz Boni
Ex-diretor da Globo projeta as chances dos políticos em 2018 e opina sobre a atual programação das TVs
Ex-todo-poderoso da TV Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, é sinônimo de televisão. Sob seu comando, a emissora atingiu o topo da audiência no Brasil e não vê seu posto ser ameaçado desde a década de 60. Desligado da Globo desde 2003 e à frente da afiliada TV Vanguarda, o ex-diretor agora envereda pelo setor público. Aos 81 anos, aceitou convite das prefeituras de São Paulo e Rio de Janeiro para atuar como conselheiro nas áreas de cultura e turismo.
O encontro improvável com o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (sobrinho do bispo Edir Macedo, dono da Record) se deu durante as eleições municipais do ano passado. Crivella foi um dos convidados de Boni para um dos tradicionais almoços restritos em sua casa. Na ocasião, falaran sobre turismo e os programas eleitorais do candidato. Já a história com João Doria é mais antiga. Boni trabalhou com João Doria pai na Rádio Bandeirantes, e mantém contato com o filho desde então. Nesta entrevista, o ex-manda-chuva da Globo analisa o cenário político do Brasil e dá sua opinião afiada sobre a atual programação das TVs. Confira os principais trechos:
O senhor assumiu o papel de conselheiro das prefeituras das duas mais importantes cidades do país. Agora que está ligado a dois governos, o que espera das eleições presidenciais em 2018?
A Lava Jato contaminou todos os políticos. A classe está desmoralizada. Acho que, legalmente, o Lula não conseguirá ser candidato. Os tucanos e os demais estão sem força nenhuma. Vão fazer campanha e esbarrar em uma porção de denúncias. O João Doria é inteligente, honesto e será candidato um dia, mas agora acho um erro. Ele tem que terminar esse mandato com êxito. Não entregaria o país na mão de nenhum dos políticos atuais. Tem que haver renovação.
O que acha quando chamaram a Globo de golpista durante o impeachment?
Chamar a Globo de golpista é como chamar um país inteiro de golpista. O que aconteceu com Dilma foi uma manobra necessária, porque ela estava metendo os pés pelas mãos. Outra coisa: no passado, o Lula cansou de ir na sala do doutor Roberto Marinho. Eu cansei de sentar sozinho com o Lula para conversar sobre questões políticas. Com quem a Globo bateu de frente mesmo foi com o Leonel Brizola porque ele fazia campanha contra a emissora.
Como o senhor avalia a cobertura da Lava Jato feita pelo jornalismo da Globo?
Acho impecável. Com muito cuidado, sem interferência. O que me incomoda é a falta de concisão. Todo dia, na cobertura da Lava Jato, o apresentador perde cinco minutos dizendo que fulano, procurado, não comentou as denúncias. É exigência do departamento jurídico para que eles não sejam processados. Por que não coloca tudo numa tela? Eu também não gosto quando são informais demais.
Informais como?
Me incomoda o fato de um apresentador de jornal, que tem que ter credibilidade, levantar para falar com uma tela. A garota do tempo não está lá, isso é para fazer de conta que os dois estão juntos no estúdio? Ninguém acredita. Outra coisa que não gosto é essa tendência de explorar o policialesco. Imagina na Revolução Francesa: a cada guilhotinada, um anúncio. Isso não tem valor de mercado. Quem vai botar anúncio no meio de dois crimes?
Já que entramos no tema televisão, o que o senhor acha de programas considerados fúteis, como o Big Brother?
O Boninho faz o melhor Big Brother do mundo, e, enquanto houver audiência, ele vai fazer o programa. Todo entretenimento é fútil, ele nada mais é que uma distração necessária. Talvez o brasileiro goste tanto do BBB porque é um povo fofoqueiro. Outro dia falei para o Boninho: pega esse pessoal todo condenado na Lava Jato e bota no programa. Você vai ter dez anos de reality.
O senhor acha graça do humor na TV atualmente?
Não. Dificilmente encontro alguém que me faça rir e refletir como o Chico Anysio. À exceção do Porta dos Fundos , que é muito bom, não há graça no resto porque é amador. É como assistir a um teatro de gente com talento, mas sem texto e direção. Um exemplo: o Marcelo Adnet precisa ser descoberto, ele mesmo não se achou. Dá meia dúzia de redatores bons e ele fará um sucesso imenso. Assim como ele, o humor brasileiro está cheio de talento perdido.
É porque faltam roteiristas que as novelas têm perdido espaço para as séries americanas?
Sim. As séries têm uma linguagem de suspense e expectativa que impede o espectador de perder a atenção. Perdemos público para as séries porque insistimos na mesma linguagem. Aqui as novelas eram longas por uma questão de custo, quanto mais capítulos, mais barato. Esse modelo está obsoleto, temos que roteirizar as novelas. Infelzmente não formamos bons roteiristas. Nos Estados Unidos, todo dia brotam dez sujeitos supertalentosos no mercado que nem conseguem emprego.
O senhor acredita que a exploração de temas polêmicos, como identidade de gênero, afastam o telespectador mais conservador?
Não tem a ver com isso. É um problema de texto. Se você está apaixonado por duas velhinhas que vivem juntas e são homossexuais [referência às personagens de Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg em ‘Babilônia’], o dia que elas se beijarem você vai ficar enternecido, vai sentir que há amor. Mas botar duas velhinhas para se beijar no primeiro capítulo? É uma apelação.
Quando a Xuxa foi para a Record, o senhor disse que era um erro. Ainda pensa assim?
O problema do artista é que ele tem orgulho de ter feito sucesso. Então ele quer fazer o que deu certo, mas talvez esteja na hora de fazer diferente. Se a Xuxa tinha dificuldade de fazer sucesso na Globo, quanto mais na Record. Ela é boa apresentadora, mas não tem a importância que tinha no passado. Ela perdeu, não por falta de talento, mas por ter sido mal conduzida. É preciso lembrar que os baixinhos cresceram. E a Globo não tem que ser grata aos artistas que lhe deram audiência. Qual time iria botar o Ronaldo para jogar hoje? Eu convenci o Renato Aragão a parar de fazer o programa, não por falta de talento, mas porque não queria mais vê-lo levando tombo e cadeirada na cabeça.
Todos os anos a Globo gasta 1 bilhão de reais na compra de direitos de transmissão do futebol. Vale a pena?
Não acho bom transmitir jogo de um time qualquer do interior toda quarta-feira. Você derruba a audiência da novela, porque o capítulo é mais curto e o espectador acaba que nem liga a TV. Futebol tem que ser só partida decisiva. Eu não vejo a Espanha ou a Itália transmitirem jogos de futebol de segundo nível em horário nobre.
O crescimento do conteúdo streaming e das televisões à cabo pode acabar com a televisão aberta?
Quando nasci, todo mundo dizia que o rádio ia acabar com os jornais e a TV com o cinema. A internet é mais um meio de distribuição do conteúdo, não acho que seja um míssil capaz de destruir todos os veículos de comunicação. Enquanto houver notícia e eventos ao vivo, a TV aberta vai continuar. A fechada, embora esteja perdendo assinantes no mundo todo, também seguirá existindo. Esta, no entanto, terá que baixar seus preços devido à concorrência.