Quentin Tarantino, de 60 anos, sabe que é um dos grandes cineastas da sua geração. Em seu novo livro, Especulações Cinematográficas, ele se revela também um notável — ainda que egocêntrico — teórico sobre o tema. Versado na gramática cinematográfica, Tarantino pouco comenta sobre sua obra, mas aponta pontos fortes e falhas em roteiros, direção de atores, movimentos de câmera e até no uso de trilhas sonoras de outras. E, sim, ele acha que faz tudo isso melhor do que os outros. Frequentador assíduo de cinemas desde os 7, leitor voraz de revistas e livros sobre filmes, e — algo fundamental em sua formação — morador de Los Angeles, ele cresceu junto com Hollywood.
Depois de lançar uma adaptação romanceada do filme Era Uma Vez em… Hollywood, em 2019, Tarantino foi chamado de “oportunista” por parte da imprensa americana. Talvez por isso tenha decidido escrever outra obra. Ele acerta ao optar por falar sobre o assunto que mais ama e domina. Misturando autobiografia com resenhas e histórias de bastidores, o título é saboroso e deve agradar não apenas aos seus fãs, mas a todos que gostam de um bom filme (ou de boas fofocas).
Segundo uma famosa cronologia proposta pelo crítico Mark Harris, o começo da chamada Nova Hollywood aconteceu em 1967, com o lançamento do filme Bonnie e Clyde — retratando dois assaltantes como heróis e um final violentíssimo que remetia às emboscadas no Vietnã. Tarantino nasceu em 1963, e sua educação cinéfila no final dos anos 1960 e ao longo dos 1970 coincide com um dos períodos mais criativos de Hollywood, com ousadias narrativas e estéticas.
É a filmes daquele período fértil, como Bullitt (1968), Perseguidor Implacável (1971) e Fuga de Alcatraz (1979), que o diretor dedica suas análises. Como profissional do ramo, cinéfilo e muito bem-relacionado, ele saca seu olhar treinado para expor detalhes que passam despercebidos aos espectadores normais. Conta que Taxi Driver (1976), de Martin Scorsese, o impactou por diferentes motivos. Há um lunático como protagonista, algo impensável até então. Nova York nunca pareceu tão real, suja e sem glamour como retratada no filme. E o banho de sangue do tiroteio final, para ele, é “um dos desfechos mais violentos e dinâmicos da história do cinema”.
Quentin Tarantino: The Iconic Filmmaker and His Work
A escrita de Tarantino é descontraída e direta. Com isso, ele consegue se fazer entender facilmente por qualquer leitor, mas o texto perde ao apelar para uma profusão de palavrões (nem um adolescente desbocado falaria tantos!) e metáforas de gosto duvidoso. Um exemplo: “Ao combinar a corajosa atuação cômica de Peter Boyle com seu discurso horripilante, Avildsen criou um drinque à base de m*** perturbadoramente saboroso” — escreve sobre o filme Joe — Das Drogas à Morte (1970), de John G. Avildsen.
Impetuoso, Tarantino não hesita em criticar filmes de seus ídolos, como Scorsese, Sam Peckinpah ou Brian De Palma. “Ainda que eu adore Os Implacáveis, ele tem defeitos irritantes que são culpa exclusiva de Peckinpah”, diz, indicando que as viradas no roteiro são baseadas em acontecimentos “muito improváveis”. Corajoso e passional, o livro é a obra mais pessoal do diretor, incluindo na conta seus dez longas-metragens. Um belo vislumbre do que se passa na cabeça de um autor que não só faz, mas pensa o cinema.
Publicado em VEJA de 5 de janeiro de 2024, edição nº 2874