Estrelas do pop faturam com grifes próprias e deixam até a música de lado
Artistas aproveitam a fama para lançar marcas de beleza e moda, enquanto relegam a carreira musical — e os fãs — para construir impérios bilionários
Ao longo do ano que passou, o rapper Kanye West virou símbolo do que seria um “cancelamento justificável”. Com sua língua desenfreada, ele ofendeu judeus com falas antissemitas e debochou da luta antirracista nos Estados Unidos, coroando as polêmicas ao defender Adolf Hitler. A conta chegou: empresas que tinham contratos com o cantor e sua marca de roupas e sapatos Yeezy, como Balenciaga, GAP e Adidas, encerraram a parceria, causando prejuízo de 1,5 bilhão de dólares a West. Diante de sua conduta errática, a queda de West não surpreendeu. Mas o caso iluminou um dado espantoso: a renda que garantia a presença do rapper na lista de bilionários da Forbes até o escândalo vinha de negócios paralelos — seus últimos discos foram uma nulidade em vendas.
Taylor Swift: Midnights (Moonstone Blue Edition)
Assim como ele, outras estrelas do pop já nem precisam mais da música em si para sobreviver — elas faturam é com seus negócios milionários. O maior expoente desse fenômeno é Rihanna. Vencedora de nove prêmios Grammy, a artista caribenha escanteou o microfone em 2017, um ano após o lançamento de seu último álbum, ANTI, para investir em uma marca de maquiagem própria, a Fenty Beauty. A diva de Barbados mergulhou no mundo empresarial para erguer um império lucrativo: em cinco anos de existência, a Fenty Beauty é avaliada em 3 bilhões de dólares (mais de 15 bilhões de reais). A voz do hit Umbrella também criou uma linha de lingeries, a Savage x Fenty, que surfou na onda de uma indústria mais inclusiva, desbancando a Victoria’s Secret e a ditadura da magreza. Ela fundou, ainda, uma empresa de cosméticos, a Fenty Skin. Somando-se as participações nos lucros expressivos das três empresas e os royaties musicais (cifra bem menor na conta), Rihanna ostenta um patrimônio líquido de 1,4 bilhão de dólares aos 34 anos — e é a bilionária mais jovem dos Estados Unidos.
Para chegar ao topo do empreendedorismo, Rihanna ignorou apelos de fãs por seis anos, até voltar a gravar neste ano para a trilha sonora da sequência de Pantera Negra (2018), Pantera Negra: Wakanda para Sempre, em homenagem a Chadwick Boseman, astro do primeiro filme morto em 2020. A narrativa racial da saga da Marvel também foi importante para convencer a empresária e mãe recente (deu à luz seu primeiro filho com o rapper ASAP Rocky) a romper o hiato musical. Em fevereiro de 2023, Rihanna se apresentará no intervalo da final do campeonato de futebol americano Super Bowl, palco concorrido e popular por shows memoráveis. Como se vê, ela só se dá ao luxo de sair de casa para cantar quando a oportunidade pode fazer bem à sua imagem — e aos negócios.
Fenty Beauty By Rihanna: Delineador líquido de longa duração
Outras divas do pop não chegam a tanto, mas direcionam cada vez mais suas energias para atividades extramusicais. Lady Gaga e Selena Gomez também apostam no mercado da beleza com a Haus Labs e a Rare Beauty, respectivamente. Além de continuar investindo na carreira de atriz (será a Arlequina de Coringa 2: Folie à Deux, filme com Joaquin Phoenix previsto para 2024), Gaga amplia seus lucros com a linha de cosméticos veganos, que produz uma receita de 141 milhões de dólares. Já a protagonista de Only Murders in the Building vende sua a dela em 45 países — incluindo o Brasil. Em apenas um ano, lucrou 60 milhões de dólares. Ambas não lançam novos discos desde 2020. Mas, com tantas fontes de renda, quem precisa dar duro compondo?
Na seara do rap, a queda de Kanye West iluminou um herdeiro em ascensão: Drake. Simbolizada por uma coruja, a October’s Very Own (OVO) é a linha de roupas do artista canadense. O patrimônio estimado em 250 milhões de dólares do rapper provém não só de suas canções, mas também de investimentos imobiliários, parcerias com Apple e Adidas, além de lucros da gravadora da qual é dono, a OVO Sound. As rimas ainda são importantes em seu caso, mas não mais essenciais como ganha-pão.
Rare Beauty Discovery Paleta de sombras
O que move a troca de melodias pelo empreendedorismo é, obviamente, o desejo de aplicar os caminhões de grana que esses artistas obtêm com discos e turnês. Mas há desafios na hora de ir atrás dos cifrões, como aponta o produtor João Marcello Bôscoli. “Não é todo artista que tem um nome forte o suficiente a ponto de sustentar uma marca. Rihanna e Selena Gomez investiram em maquiagem em momentos nos quais a carreira musical delas estava mais que consolidada. Por isso, podiam arriscar perder dinheiro em novas frentes”, analisa. Outro estímulo é, quem diria, o puro tédio. “Há também os artistas milionários que não sabem o que fazer com tanto dinheiro. Aí, um amigo sugere abrir um negócio, e o astro embarca só por ter cacife e recursos para isso”, completa Bôscoli.
Há quem vá contra a corrente. Se colegas estão virando magnatas de moda e beleza, Taylor Swift parece determinada a continuar na estrada só como cantora — mesmo que lance alguns produtos pontuais e promocionais, como discos de vinil e moletons. Enquanto todas as pessoas do planeta caçaram atividades caseiras durante os lockdowns, a americana se isolou em um estúdio, onde compôs e gravou os discos inéditos folklore, evermore e o mais recente, Midnights, além de regravar CDs antigos com a meta de recobrar os direitos sobre suas obras de uma antiga gravadora. Anunciou ainda uma turnê com 51 shows pelos EUA para o ano que vem, junto à promessa de levá-la para outros países. É notável que haja, enfim, ao menos uma popstar que não cogite vender algo que não sejam suas letras embebidas em desilusões amorosas. Lucrar faz bem — mas a música não pode parar.
Publicado em VEJA de 4 de janeiro de 2023, edição nº 2822
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