Vaidoso, sempre cioso da forma física, o colunista social Giba Um, 76 anos, ficou feliz quando, há pouco mais de um ano, começou a perder peso, feito que atribuiu a uma nova dieta à base de salada e proteína. Três meses depois, no entanto, com 16 quilos a menos e episódios de suor noturno, resolveu procurar um médico. Os exames revelaram um câncer no sistema linfático do tipo não Hodgkin. E Giba Um, que ao longo de cinquenta anos de carreira fez e desfez casamentos, reputações e alianças de toda sorte, não tinha plano de saúde. Com a ajuda de um oncologista, batalhou por vaga em hospital público e conseguiu se inscrever para tratamento no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp). “Ao chegar ao ambulatório do SUS, pensei estar passando pela porta do inferno”, lembra ele.
Giba cumpriu os oito protocolos de quimioterapia, viu cair os fios do bigode que cultivou a vida inteira e os poucos que restavam na cabeça, e teve alta. Durante todo o processo não recebeu uma única mensagem no celular dos poderosos que formavam seu círculo de amizades na época em que coluna social era uma espécie de Twitter de hoje — uma máquina de espalhar fofocas, dar notícias em primeira mão e interferir na vida das pessoas, para o bem e para o mal. “Os convites rarearam e o telefone toca menos, mas uma coisa é fato: as festas atuais são uma cafonice”, alfineta.
Giba Um ajudou a revolucionar o colunismo social do Brasil, nos anos 1970 e 1980, com notas que misturavam política, sociedade, economia e celebridades, publicadas primeiro no jornal Folha da Tarde, depois na Última Hora (ambos extintos). “A verdade era que todos queriam saber quem estava dormindo com quem”, lembra. Por mais de uma década trabalhou em revistas femininas da Editora Abril, que edita VEJA. Também cultivou fama própria aparecendo na televisão como jurado nos programas de auditório de Silvio Santos e Flávio Cavalcanti. De 1969 ao fim da década de 80, com um cigarro Minister na mão direita e um copo de uísque J&B na esquerda, passou praticamente todas as noites nas festas mais badaladas do país, vestindo camisa de linho, terno azul-marinho feito sob medida e gravata de seda. Era impecável na elegância e implacável na língua ferina.
Testemunhou — e publicou — fatos que causariam repercussão e impacto na vida dos envolvidos, como a nota em que informava que o empresário Abilio Diniz fora avistado com “um sopro de loira” — a qual resultou em divórcio de Maria Auriluce, mãe dos primeiros quatro filhos do empresário. Outro triângulo soprado por Giba envolveu o dono da rede Bandeirantes, João Saad, sua mulher, Maria Helena, e a apresentadora Marília Gabriela. “Não sei dizer quantos divórcios eu causei, nem quantas vezes fui chamado ao tribunal para testemunhar traições”, diz, em tom que mistura orgulho com humor.
“Os convites rarearam e o telefone toca menos, mas uma coisa é fato: as festas atuais são uma cafonice”
A coluna rendeu-lhe laços estreitos com alguns dos personagens retratados. Giba se tornou amigo íntimo de Pelé. Toda vez que ia a Nova York, o Rei lhe trazia um vidro de seu perfume favorito, Polo Ralph Lauren. Era unha e carne com o notório playboy paulista Chiquinho Scarpa, no tempo em que playboys eram notícia. Namorou a atriz Pepita Rodrigues e casou-se com ela, com quem teve um filho, o Gibinha. Conquistas, aliás, têm lugar de honra em seu currículo. “Na época da ditadura, houve uma batida da polícia na redação e me escondi na casa de uma mulher da vida. Eu não lhe paguei nada pela estada e ela se aproveitou de um rapaz jovem”, conta, rindo. As deslumbrantes Leila Diniz e Matilde Mastrangi renderam-se a seus encantos. Matilde foi a estrela de uma de suas iniciativas memoráveis: no réveillon da virada para 1984, em pleno Gallery, então a boate mais chique de São Paulo, ele a convenceu a fazer um strip-tease e leiloar as peças íntimas. A calcinha foi arrematada por um integrante da família Simonsen — e mais não diz.
Giba era paparicadíssimo e não tinha pudores éticos em relação a presentes. Chiquinho Scarpa dava-lhe caixas de champanhe. Uma socialite que se apaixonou pelo motorista e queria integrá-lo à alta sociedade contratou o colunista para organizar festas, convidar seus amigos poderosos e, claro, publicar notas positivas. Pagou a conta em tapetes orientais. Como não havia celular nem câmera fotográfica sempre à mão, o costume na alta-roda era fazer quase tudo na frente de todo mundo. “Nas festas na casa do Francisco Matarazzo (o conde Chiquinho, filho do fundador do então maior complexo industrial da América Latina), era costume rodar bandejas com cocaína, oferecida como se fosse drinque”, recorda-se Giba. As bebidas da moda eram uísque e champanhe, e rigorosamente todos os adultos fumavam.
Giba seguia o manual do boêmio: bebia e fumava muito, e chegava à redação vindo direto das noitadas. Mas afirma que nunca se envolveu com drogas ilícitas (“Experimentei haxixe uma vez. E só”). As grandes fortunas se restringiam a poucas famílias, que se sentiam à vontade para exibir seu poder. “Os ricos adoravam ostentar. E não tinham vergonha nenhuma de demonstrar proximidade com políticos. Hoje, o vexame da corrupção acabou com isso”, diz. Ele mesmo tem lá seu telhado de vidro, e dos mais finos: nos anos 1980 e 1990, conciliou, por assim dizer, a coluna com uma assessoria de imprensa. Ou seja: publicava notícias sobre pessoas que lhe pagavam para que cuidasse de sua projeção na imprensa. Entre os clientes estava o político Orestes Quércia, revela.
Ele nasceu Gilberto Di Pierro, filho de imigrantes italianos radicados em São Paulo. O pai era entalhador e a mãe, dona de casa. Não concluiu a faculdade de jornalismo, e seu primeiro trabalho em redação foi tabular o sobe e desce dos preços das sacas de trigo e arroz. Como tinha bom texto e grande prazer em frequentar as boates paulistanas, ganhou uma coluna sobre a cena cultural noturna e não parou mais — até a internet chegar, as redes sociais vicejarem e o colunismo social à moda antiga entrar em decadência. O apelido, o “Um”, foi obra do escritor e colega Ignácio de Loyola Brandão, como forma de diferenciá-lo dos outros colunistas. Giba Um ainda vive de escrever colunas, mas para jornais pequenos, como o Correio do Estado, de Campo Grande. Está casado há 34 anos com a pequena empresária Marli, com quem tem dois filhos. Bruno, de 34 anos, nasceu com síndrome de Down (o colunista é fundador da primeira ONG brasileira voltada para o distúrbio genético). Bianca, batizada por Hebe Camargo, com quem Giba passou vários réveillons em Nova York, tem 30 anos e é produtora de eventos.
O dinheiro que Giba ganha com as colunas não cobre seus gastos e, para fechar o buraco, ele tem vendido objetos que comprou ou recebeu de presente ao longo da carreira, como dois quadros assinados por Iberê Camargo e alguns relógios Baume & Mercier e Patek Philippe. Das dezenas de processos de difamação que colecionou, só perdeu um, para a filha do ex-presidente Lula, Lurian (100 000 reais, por insinuação de envolvimento em corrupção). O escritório em que trabalha em casa parece uma cápsula do tempo: o computador é grandalhão, uma máquina de fax quebrada virou parte da decoração e a falta de ar condicionado faz do cômodo uma estufa.
Giba chegou a pedir ao colega e apresentador de TV Amaury Jr. que intermediasse a instituição de uma mesada solidária entre ricaços de quem foi próximo, mas a negociação não progrediu. Recentemente, vendeu o apartamento em que morava e está procurando um novo lar. “Era grande demais. Hoje não faz sentido viver em 200 metros quadrados”, justifica. Dos tempos de glória, restam o gosto por roupas bem cortadas e o infalível apreço dos taxistas. “Basta entrar no carro que me cumprimentam”, comemora. São histórias de uma vida bem vivida, de voos e quedas.
Publicado em VEJA de 9 de janeiro de 2019, edição nº 2616