Hilary Mantel, dama inglesa do romance histórico, tem obra resgatada
A escritora conquistou fama e prestígio ao investigar personagens que moldaram a Inglaterra
Em sua adolescência, num vilarejo próximo da cidade inglesa de Manchester, Hilary Mantel imaginava uma vida distinta da que viria a ter. O plano era ser advogada e morar em Windsor, local que abriga o mais opulento castelo da realeza britânica. Dificuldades financeiras interromperam seus estudos, minando o primeiro sonho. Já a vida no idílico interior inglês foi adiada graças ao marido geólogo, que a conduziria por aventuras em países como Botsuana e Arábia Saudita. Enquanto isso, Hilary sofria de dores crônicas, tratadas com desdém por médicos. Um deles chegou a dizer que o diagnóstico era “excesso de ambição”, e lhe receitou psicotrópicos. Ela descobriu sozinha que sofria de endometriose, doença que afeta o útero. A confirmação da suspeita levou a uma histerectomia total aos 27 anos. A soma dos tratamentos equivocados a medicação contínua resultou em inchaço e fraqueza, o que a impediu de ter um emprego regular. “Vago pelo mundo como um cachorro maltratado. Mas me disseram que, se eu fosse um cão, seria um animado golden retriever”, escreveu ela, otimista, sobre os percalços.
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Os sonhos frustrados tiveram uma compensação: o mundo ganhou uma escritora de talento e produtividade compulsiva. Aos 68 anos, Hilary é uma prolífica e aclamada autora, vencedora de dois Booker Prize, a principal honraria literária britânica. E é popular: as vendas de seus livros estão na casa do milhão. O marido, a quem ela seguia pelo mundo, hoje se dedica a dar apoio à esposa. No Brasil, Hilary acaba de ganhar novo impulso com o relançamento dos dois primeiros livros de seu trabalho mais bem-sucedido, a trilogia histórica iniciada por Wolf Hall. Em novembro sai o segundo volume, Tragam os Corpos, e em março o inédito O Espelho e a Luz.
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No romance, a autora volta à Inglaterra do século XVI para narrar um período de virada histórica, quando Henrique VIII se desliga da Igreja Católica e abraça o protestantismo. O lance nada tinha a ver com pureza religiosa, mas sim com as aventuras sexuais do rei e o anseio político de se livrar da batuta de Roma. Hilary observa o imbróglio pelo prisma de outro figurão célebre, Thomas Cromwell. Astuto e persuasivo, o braço direito do monarca foi peça-chave na virada que se refletiu em toda a Europa. Sem título de nobreza e de origem duvidosa, Cromwell é um personagem em quem Hilary viu qualidades fascinantes. “Fui atraída por sua tenacidade”, disse a autora a VEJA. Pela lente do estadista, a quem ela chama de “pioneiro da meritocracia”, a escritora acompanha as idiossincrasias da dinastia Tudor — e preenche com imaginação lacunas da história.
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Ao driblar estereótipos e tocar em assuntos caros à tradição inglesa, Hilary somou prêmios e desafetos. Por Wolf Hall, foi acusada de anticatolicismo — criada na religião romana, ela diz respeitar a fé, mas não mais professá-la. No conto O Assassinato de Margaret Thatcher (2014), a autora causou burburinho ao imaginar um atentado terrorista contra a primeira-ministra. Fora da literatura, mais controvérsias: especialista em família real, Hilary já chamou Kate Middleton de “manequim sem personalidade” e defendeu Meghan Markle (segundo ela, vítima de racismo). Amante de tramas históricas, conseguiu ela mesma se tornar uma apimentada personagem dos autos de seu país.
Publicado em VEJA de 16 de setembro de 2020, edição nº 2704
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