Pobre Peter Parker: aos 16 anos, ele não só tem o dever de ser o Homem-Aranha, defensor da vizinhança, como deve também enfrentar a ideia de vir a ocupar entre os Vingadores o lugar que foi de seu mentor, o Homem de Ferro. Já o que Peter quer, isso é bem mais simples. Peter quer ir à Europa na viagem de férias da escola; quer sentar ao lado de MJ (Zendaya) no avião; e quer declarar seus sentimentos a ela em algum lugar romântico, como o alto da Torre Eiffel. Sem chance: na estada em Veneza, um monstro de água se ergue dos canais e destrói metade dos palazzi; na passagem por Praga, o monstro é de lava e fogo; em Londres — bem, deu para ter uma ideia. O desafio é grande, e vem com agravantes. Há aqui um vilão que se acha injustiçado e que, para ganhar a estima que crê ser devida a ele, cria comoção, para assim provocar insegurança — e então beneficiar-se dela. Esse gênio do mal (e do mimimi) é ainda mestre em fazer a ilusão confundir-se com a realidade, de forma que Peter nem sempre sabe contra o que está lutando. Ainda bem que ele tem — ou ao menos parece ter — o apoio de Nick Fury (Samuel L. Jackson) e do recém-chegado super-herói Quentin Beck (Jake Gyllenhaal), apelidado de Mysterio.
Depois do delicioso De Volta ao Lar, os criadores da franquia repetem a façanha com Homem-Aranha: Longe de Casa (Spider-Man: Far from Home, Estados Unidos, 2019), já em cartaz no país, ao jogar o protagonista encarnado por Tom Holland em um universo onde ninguém sabe se aquilo que lê, ouve, vê ou toca é real, e que nada tem de paralelo: está-se aqui no nosso próprio universo, o das fake news, factoides e crises fabricadas (se alguém enxergar no vilão amuado certo presidente afeito a tira-teimas nucleares, não estará longe do alvo). Ser adolescente já é uma confusão. Nesse clima desorientador, a ansiedade de Peter, de seus amigos e dos adultos responsáveis redobra — assim como a diversão que o filme proporciona, e a agudeza do seu comentário.
Publicado em VEJA de 10 de julho de 2019, edição nº 2642
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