(Les beaux jours d’Aranjuez, 2016) Todos têm segredos que devem levar para o túmulo. E nem sempre porque são cabeludos: em alguns casos, simplesmente porque falta a oportunidade — o clima e o interlocutor ideais — para que a gente se abra a uma narrativa que, de tão íntima, é quase literária, dissonante dentro do cotidiano comezinho que se leva. Pois é esse tipo de narrativa em que os personagens de Os Belos Dias de Aranjuez, o novo longa do alemão Wim Wenders, agora rodando em francês, desenrolam num longo diálogo sobre si mesmos, suas experiências sexuais, suas relações de amor e amizade, suas decepções com o mundo e as pessoas – um diálogo sobre a vida. O tom literário é justificado: os dois personagens, um homem e uma mulher que não necessariamente formam um casal, são criados por um escritor alemão, que, diante de sua máquina de escrever e do belo jardim de uma casa afastada da cidade, imagina as cenas que se desenvolvem diante de seus olhos e dos olhos do espectador. À medida que cria, o escritor investe numa direção, muda de ideia, recua, e todo esse processo se reflete na conversa entre os personagens, que transformam de forma abrupta o tema que discutem e chegam a aparecer com roupas diversas, de acordo com o desejo do autor no momento. Mais: baseado na peça do austríaco Peter Handke, mesmo no cinema o diálogo conserva um quê de teatral, especialmente pela franqueza com que um se abre ao outro. Mas essa franqueza é a força do filme. Aqui, só o 3D é dispensável.