Os novos hábitos, impulsionados pela pandemia, insista-se, aceleraram uma atitude cada vez mais visível no século XXI: o consumo consciente. “Será que preciso mesmo de tantas roupas?”, começaram a se questionar as pessoas, trabalhando de bermuda e chinelos, remotamente, em casa. Outras tantas, desempregadas ou com a renda reduzida, tiveram de conter suas tentações e gastar apenas o necessário. O minimalismo está se consolidando até mesmo entre fornecedores — com recursos limitados, vender muito deixou de ser a meta hegemônica das empresas, como era no passado. Na decisão de compra, a busca das sociedades evoluídas será agora por equilíbrio entre satisfação pessoal e compromissos ambientais, sociais e financeiros.
Consumo consciente não é o mesmo que voto de pobreza. Na verdade, em muitos casos, o cliente aceita pagar mais caro para apoiar a marca que respeita uma causa importante para ele: preservação de florestas, bem-estar animal e reversão de parte da renda para causas sociais, apenas para citar alguns exemplos. A ascensão de brechós virtuais é outro sinal de comportamento que atende tanto a uma necessidade quanto a um desejo. Pesquisa realizada em 2020 pelo Instituto Akatu, que mobiliza a sociedade para o consumo consciente, mostrou que mais de 70% dos consumidores, principalmente os mais jovens, querem que a iniciativa privada pare de agredir o meio ambiente e estabeleça metas para tornar o mundo melhor.
Algumas marcas acabam fazendo uso desse engajamento de uma forma até mesmo polêmica, como foi o caso da fabricante californiana de roupas Patagonia, que anos atrás lançou uma campanha com o slogan “Não compre esta jaqueta”. Entre a hipocrisia e o real posicionamento da empresa quanto a causas socioambientais, venceu a crença dos clientes na marca: eles compraram do mesmo jeito e, ao que tudo indica, bem cientes do que estavam fazendo. De todo modo, a Patagonia tornou-se referência do consumo da nova era.
“Consciência e lucro não são excludentes. Empresas engajadas atraem clientes fiéis, o que gera mais retorno para seus acionistas a longo prazo”, afirma Hugo Bethlem, presidente do Instituto do Capitalismo Consciente Brasil, que em 2020 viu dobrar o número de associados, incluindo gigantes como Magazine Luiza e Natura. Na mesma medida, companhias que insistem em ir na contramão da história — explorando funcionários, sendo conivente com discriminação e destruindo a natureza — podem ser alvo de buycott, neologismo que mescla palavras em inglês e significa “boicote de compra”. Essa ação bloqueadora acabou, por vezes, ingressando no território de causas menos nobres, como vingança política por parte de grupos sectários em todo o espectro ideológico, no Brasil e em diversos países.
No mundo real, nos assuntos que realmente importam à sociedade, os exemplos de boas práticas por parte das grandes corporações têm se multiplicado. A anglo-holandesa Unilever, maior companhia de bens de consumo do planeta, comprometeu-se a reduzir pela metade o uso de plástico virgem em suas embalagens e excluir do processo mais de 100 000 toneladas de plástico até 2025. “É crucial que toda a indústria faça uma transição rápida para a economia circular”, afirmou o CEO da Unilever, Alan Jope. Na linha de pensamento de Bethlem, nunca a felicidade do consumidor final pode se dar à custa do sofrimento de outra parte da cadeia, sejam pessoas, animais ou o meio ambiente. O plástico é uma das maiores ameaças ao ecossistema, pois demora muitos anos para se decompor — os oceanos estão poluídos com 150 milhões de toneladas do material.
O Brasil também vem ganhando protagonismo no consumo consciente. Grandes redes varejistas e processadores de proteína estão trabalhando para banir, até o fim desta década, a venda de carne suína e de ovos de galinhas oriundos de animais criados em torturantes celas de gestação e gaiolas. O Banco do Brasil, uma instituição financeira bicentenária e fundamental no desenvolvimento do agronegócio, foi considerado a nona empresa mais sustentável do mundo, de acordo com o ranking Global 100, da Corporate Knights, em razão de seus investimentos em economia verde, redução da emissão de carbono e inclusão social. Conscientizar significa adquirir conhecimento: saber o que se está fazendo. Quando a consciência agrega moral e ética, a sociedade melhora e é mais feliz.
Publicado em VEJA de 13 de janeiro de 2021, edição nº 2720