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Jô e os “home”

Publicado em VEJA de 12 de dezembro de 2018, edição nº 2612

Por Roberto Pompeu de Toledo
Atualizado em 4 jun 2024, 16h12 - Publicado em 7 dez 2018, 07h00

Ao saber que o ex-presidente Ernesto Geisel estava em Teresópolis, Jô Soares resolveu arriscar. Bateria em sua porta e o convidaria para uma participação no programa de entrevistas então abrigado no SBT. Geisel não aceitou o convite, mas recebeu-o cordialmente, e entregou-se a uma conversa em que fez uma revelação, segundo Jô, “fortíssima”: no segundo turno da eleição de 1989, cogitou votar em Lula, e chegou a comentar essa opção com amigos. Afinal não foi capaz de fazê-lo, mas se arrependia de ter votado em Fernando Collor, “um mentiroso”. Vivia-se na época o processo de impeachment de Collor, e Geisel torcia para que o poder passasse ao vice: “O Itamar certamente vai ser melhor do que tudo isso que está aí”. Jô Soares contou o caso nas páginas de VEJA, anos depois. Agora, retomou-o no recém-lançado segundo volume de memórias, O Livro de Jô.

Muitos outros casos com políticos povoam a retomada das lembranças. Collor foi entrevistado no programa do SBT duas vezes, na campanha de 1989, e, segundo Jô, “em nenhuma delas a coisa andou bem”. Numa das vezes, o apresentador teve de chamar a atenção do candidato para que olhasse para ele, e não para a câmera, porque “afinal o programa era meu, e não um horário eleitoral gratuito”. Além disso, como o enquadramento dominante no Jô Soares Onze e Meia era na dupla entrevistador-­entrevistado, e não em um e outro separadamente, se um permanecesse com os olhos fixados na câmera, “ficava parecendo conversa de cego”. Jô perguntou-lhe se tinha sido seminarista, e Collor respondeu:

— Fomos.

— Fomos como? Eu nunca fui. Você já está usando o plural majestático?

No dia da eleição de 1989, Jô encontrou João Doria Júnior no local de votação. O “ex-presidente da Embratur” abraçou-o “como se fôssemos íntimos (coisa que jamais aconteceu)”, e, quando se afastou, um senhor aproximou-se: “Jô, você é muito amigo desse cara?”. Jô respondeu que não. Por que a pergunta? “Porque enquanto ele te abraçava colou o adesivo de Collor em tuas costas.” Jô contou esse episódio numa entrevista, e não pretendia incluí-lo no livro, “até porque seu personagem é uma pessoa pequena”. Mas como Doria, na campanha para governador de São Paulo, disse que se tratava de uma mentira, resolveu registrá-lo também no livro, até porque há testemunhas. “Será muito interessante ver quem vai passar para a história como mentiroso, se eu ou ele.”

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Disse Robertão: “Queríamos que você fosse nosso candidato”

Jânio Quadros uma vez ligou: “Rogo-lhe me fazer um favor deveras importante”. O que seria? “Queria muito que você fizesse uma entrevista com o cachorrinho de estimação de minha filha, a Tutu.” Assim foi feito. Jô recebeu os dois, Tutu e cachorro, e fez a entrevista, na qual Tutu foi a intérprete. A filha de Jânio esclareceu que o conteúdo seria usado num livro a ser escrito pelo cachorro. Anos depois, Jô chamou Jânio de trapalhão, de porte digno da trupe de Renato Aragão. O ex-presidente reagiu com um telegrama do seguinte teor:

— Repilo comparação com o comediante Aragão.

O falecido Roberto Cardoso Alves, o “Robertão”, era um deputado paulista que ganhou notoriedade, na Constituinte, como um dos líderes do “Centrão”, expressão nascida na época, e da qual periga ter sido ele mesmo o criador. Se não foi, não paira dúvida de que lhe cabe o mérito da introdução das virtudes franciscanas na vida pública, ao pregar que, na política, “é dando que se recebe”. Uma vez Robertão encontrou Jô num voo Nova York-São Paulo e, alegando falar em nome de seu partido (o PMDB), propôs: “Nós queríamos que você fosse o nosso candidato a presidente da República. Não tem erro, ninguém tem a sua popularidade, você vai ganhar certamente”. Jô agradeceu, mas declarou-se incompetente até para ser vereador. Faltava-lhe o conhecimento aprofundado dos problemas do país.

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— Você não precisa saber nada! — insistiu Robertão. — Nada. O presidente precisa apenas assinar o nome. Já vem tudo pronto, você só assina.

Jô abriu mão da Presidência, mas, mesmo de fora dela, viu muita coisa, e no livro faz um balanço do que viu. “Nasci no início de uma guerra mundial, passei 35 dos meus 80 anos sob ditaduras, vi não sei quantas crises institucionais no país, vivi hiperinflações e recessões econômicas profundas.” Mesmo reconhecendo os méritos de Lula no combate “aos problemas críticos da desigualdade social”, os dois maiores presidentes sob os quais viveu foram, em sua opinião, Juscelino e Fernando Henrique. É pena, pensando bem, que Jô tenha abdicado da Presidência. Imagine-se o livro que escreveria, contando tudo, depois.

Publicado em VEJA de 12 de dezembro de 2018, edição nº 2612

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