Kiko, do KLB: entenda por que é preciso um ‘recall’ dos gêneros
Para o cantor, que ressurgiu com sua crítica a um comercial de sabão em pó a favor da abolição das demarcações de gênero, tudo deve ficar como sempre foi
O cantor Kiko, do trio de pop comercial KLB, que fez algum sucesso entre pré-adolescentes no já longínquo início deste século, voltou a ser notícia graças a um textão publicado nesta segunda-feira – e já deletado – no Instagram. No texto, em tom virulento, o cantor chama de “anti-Cristos” os que ameaçam as criancinhas com medidas tão radicais quanto deixar que um garoto brinque com… panelas de plástico. Ora.
Kiko chegou à histeria – ele talvez preferisse epifania – depois de ver um comercial de sabão em pó que convoca um recall das brincadeiras que reforçam clichês de gênero. “Meninas podem, sim, se divertir com minicozinha, miniaspirador e minilavanderia, mas também podem ter acesso a fantasias de super-heróis, carrinhos velozes e dinossauros assustadores. E meninos também devem ter toda a liberdade para brincar de casinha, trocar fraldas de bonecas e ter uma incrível coleção de panelinhas”, afirma a marca, da Unilever.
“Sou educado, respeitador, mas vai tomar no c*”, diz um incoerente (mal-resolvido?) Kiko na abertura do textão, em que acusa a fabricante de sabão de querer se meter na forma como cada um cria seus filhos. Curioso é que, no mesmo perfil do Instagram, Kiko fez várias postagens sobre La Bête, a performance do homem nu no MAM, que se tornou alvo de críticas nas redes sociais justamente porque uma mãe – que é coreógrafa e cria a filha junto ao meio artístico – deixou a menina tocar no pé de um homem desnudo que se fingia de bicho.
Quer dizer, Kiko criticar os outros pais, tudo bem, mas não se pode sugerir que alguém crie os filhos de um modo diferente daquele defendido por ele. “Que p… de anti-Cristos estão tomando conta das coisas atualmente?”, questiona o cantor. “Querem forçar uma realidade que não existe a não ser em seus malditos universos particulares”, continua, sem se dar conta de que a vida de cada um, e portanto de todos, é um “universo particular”, e que um comercial de sabão em pó não tem qualquer força de lei.
A posição de Kiko é a própria tradução de conservadorismo. O que ele defende é que tudo continue como está. Como se, do jeito que está, fosse bom para todo mundo.
Reportagem da edição de VEJA de 4 de outubro mostra que, infelizmente, as coisas não são tão boas para todo mundo quanto Kiko pode imaginar. Um levantamento realizado com 450 meninas e meninos de idade entre 10 e 14 anos, em quinze países de economia e cultura distintas, mostrou que os rótulos tradicionais de gênero continuam de pé em pleno século XXI, são fixados nas crianças independentemente de sua origem socioeconômica e que, por isso, meninas seguem vítimas do machismo e meninos sofrem com a pressão social.
Sim, garotos também sofrem com isso. Em 2014, segundo a pesquisa, 28% dos meninos de 9 a 12 anos haviam participado de algum tipo de confronto físico, porque precisavam ser “viris”. Outra conclusão do estudo é que a noção de submissão feminina daria margem à violência contra a mulher, resultando, por exemplo, em índices maiores de gravidez precoce. “A pesquisa aborda as consequências, até em termos de saúde pública, da recorrência dos estereótipos”, diz a reportagem.
Talvez seja mesmo a hora de um recall. Talvez já se tenha passado da hora, Kiko.