Com cerca de oitenta páginas, o livro infantil Piadas sobre Meninas (para os Meninos Lerem ) se tornou motivo de uma longa discussão nas redes sociais. Acusado de machismo pelo teor de gosto duvidoso, a publicação traz textos curtos de humor que atacam as capacidades femininas. “Como o neurônio de uma menina morre? Sozinho”, ou “Por que a Estátua da Liberdade é mulher? Porque precisavam de uma cabeça oca para colocar o mirante” são algumas das anedotas narradas nas páginas do título, escrito sob o pseudônimo de Paul Hassada, um ghost writer.
Desde 2015, o livreto surge como tema de textos acalorados na internet quando um exemplar é encontrado, como aconteceu nesta semana — uma publicação no Facebook sobre ele foi compartilhada mais de 45.000 vezes em cerca de 24 horas. O “legado” do livro, contudo, é maior que seu tempo de vida oficial. Publicado em 2009 pela V&R Editoras como parte da coleção Risadinhas, a obra foi descontinuada pela empresa um ano depois — juntamente com sua versão contrária, um livro com piadas sobre meninos para meninas.
“Os dois livros foram uma infelicidade, uma ingenuidade”, diz Sevani Matos, diretora-geral da V&R. “É uma repercussão tardia, mas entendo a indignação. A editora deve, sim, se desculpar por ter publicado esse livro um dia, mas teve a boa-fé de tirá-lo do catálogo”.
Sob a luz da primeira polêmica, no ano passado, a V&R fez uma varredura nas livrarias e distribuidoras, pedindo pelos títulos ainda em estoque. Com tiragem de 6.000 exemplares e vendas pífias, o livro teve boa parte de suas cópias recolhida e destruída.
“É uma dinâmica complicada retirar todos os livros de circulação”, diz Sevani. “Algumas livrarias que não trabalham com consignação se recusaram a devolver títulos comprados, enquanto outras não têm sequer um sistema para isso. Logo, um livro ou outro pode ser encontrado de vez em quando”.
Crianças machistas? Para Telma Vinha, professora de psicologia educacional da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um livro sozinho, como o citado, não teria a capacidade de formar o pensamento de uma criança. “Outras interações e experiências são essenciais. A criança observa como a mãe é tratada em casa, quais os papéis desempenhados pelas mulheres na sociedade em que ela está. O livro não será determinante”, diz.
Telma sugere que episódios como esse deveriam ser vistos pelo lado positivo, em vez de desencadear apenas uma longa discussão on-line amparada no rigor do politicamente correto. “Esse tipo de material serve para que a gente problematize o tema com as crianças. O livro é ridículo, mas pode ser usado em uma conversa na escola, ou entre pais e filhos, para que a criança elabore a ideia por trás do texto. É o momento de ensinar princípios”, diz.