Eu trabalhava em um restaurante no Projac, a central de produção da Globo no Rio. Servia comida e, quando tinha pedido dos estúdios, pegava uma bicicletinha elétrica e ia entregar. Rodei cada canto daquele lugar como entregador, e após o expediente ia pegar passageiros de Uber moto. Em certo dia de 2023, numa dessas entregas, a Marcella Bergamo, produtora de elenco, perguntou se eu fazia teatro e se podia tirar uma foto minha. Foi uma coisa rápida, porque eu estava trabalhando, com o pedido na mão, e não podia demorar. Na época, fazia teatro havia um ano e meio. Sou de uma família bem simples. Minha mãe é funcionária administrativa de uma loja e meu pai é ligado à arte também, mas trabalhou como operador de áudio no mesmo Projac. Dos 9 aos 15 anos, me mudei muito. Eram momentos de altos e baixos. Quando a situação apertava, a gente se bandeava para outro lugar, então morei em várias partes do Rio. Desenvolvi gosto pela arte nessa época, assistindo a filmes e tocando instrumentos. Mas não tinha acesso ao teatro. Meus pais não me apoiavam nisso pelos motivos deles. Entrei num curso de atuação por iniciativa própria, aos 22, quando sobrou um dinheirinho, e foi algo a que me apeguei muito. Já tinha esse interesse havia algum tempo e, vivendo ali no Projac, entrando nos estúdios, a atuação me chamou atenção. Sempre fui tímido, e queria trabalhar essa timidez. Mas não passava pela minha cabeça a ideia de ser ator e ganhar dinheiro com isso. Então, fiquei com aquela foto feita pela produtora na cabeça por uns dois dias, mas logo esqueci e fui viver a vida.
Meses depois, eu estava rodando de Uber quando entraram em contato comigo para perguntar se eu tinha interesse em fazer um teste para a novela Renascer. Fiquei surpreso, mas feliz. Tive dificuldade no primeiro teste, porque nunca tinha feito isso na vida, só as aulas de teatro. Me empenhei, mas não passei para esse personagem — que, se não me engano, era o João Pedro mais novo. Depois, me chamaram para um teste para outro personagem da novela, o Du. Nesse, fiquei mais tranquilo. Fiz a prova em Cabo Frio. Minha irmã mora lá e me ajudou. E aí deu tudo certo. Na primeira versão, o Du só era mencionado e aparecia em uma única cena de costas. Então, imaginei que não teria muita história. Mas no remake ele vai para a fazenda, causa um alvoroço, e muita coisa acontece. Foi algo que me pegou de surpresa, mas tem sido legal demais. Minha vida mudou de repente — no sentido de que, antes, eu não conseguia viver daquilo que eu queria viver. Não queria ser Uber moto, por exemplo, mas precisava de um sustento, porque essa era a minha realidade. Quem tem despesas para pagar no fim do mês faz de tudo.
Hoje, praticamente 100% do meu dia é em prol da arte. Minha rotina ficou maravilhosa, porque agora consigo viver o que eu queria. Estou fazendo uma faculdade de artes cênicas que me toma bastante tempo. Comecei pouco antes de estrear na novela, e isso tem ajudado na construção do Du, porque é uma pegada diferente do teatro. Também tem as gravações e os instrumentos que amo tocar. A música foi o pontapé inicial para eu começar a gostar da arte. Mas é a novela que tem me dado a estabilidade e o conforto para investir nisso. Entrou um dinheiro bem melhor do que recebia antes, mas ainda não mudou minha vida. Sei que é um começo, um processo que vai acontecendo com o tempo. Viver por um propósito que eu tenho para a minha vida tem sido ótimo. Hoje, meus pais têm um entendimento diferente de tudo isso. Eles superaceitam, entendem e gostam. A vivência da arte é muito ampla, então não sei se quero me ver necessariamente só como ator daqui para a frente. Mas quero viver da arte e me empenhar nisso.
José Duboc em depoimento a Amanda Capuano
Publicado em VEJA de 21 de junho de 2024, edição nº 2898