Os mistérios do infinito sempre intrigaram Vincent van Gogh (1853-1890). Foi na busca por uma conexão com a espiritualidade — e na esperança de que esse seria o remédio para aplacar suas angústias — que o holandês começou a pintar o céu. “Quero captar o sentimento das estrelas”, escreveu ele. O modo peculiar de ver e lidar com o mundo fez de Van Gogh um pária em seu meio enquanto vivo — mas, como sabemos, um gênio indisputável para as gerações posteriores. Hoje, as obras de Van Gogh foram incorporadas à cultura pop e o valor de seus quadros passa dos 100 milhões de dólares — vários, como A Noite Estrelada (1889), são inestimáveis. Ficar diante de um trabalho original do pintor pós-impressionista é um privilégio (o Brasil tem apenas quatro quadros assinados por Van Gogh, todos no Masp). Mas, graças às dádivas da tecnologia, agora o público nacional tem a chance de usufruir uma experiência impressionante: a de “entrar” nos delírios do artista — e, depois, postar tudo nas redes sociais.
Mais de 100 anos após a morte do pintor, a exposição Beyond Van Gogh vale-se de uma parafernália digital para projetar as imagens animadas de suas obras-primas em telões gigantescos, criando uma experiência sensorial que coloca o público no centro da cena. Criada originalmente no Canadá, ela ocupa, desde quinta-feira 17, um pavilhão de 2 200 metros quadrados no MorumbiShopping, em São Paulo — e segue em julho para Brasília. Com expectativa de atrair mais de 400 000 visitantes apenas em solo paulistano, o evento reafirma a popularidade crescente das mostras imersivas — formato que celebra o trabalho de grandes artistas de um modo democrático — e capaz de atrair audiências que não têm o hábito de ir a museus.
Van Gogh: A salvação pela pintura
Beyond Van Gogh foi vista por mais de 20 milhões de pessoas em 25 países. No Brasil, a mostra que festejava os 500 anos de Leonardo da Vinci no MIS Experience arrebanhou 480 000 visitantes, em 2020, ao reproduzir obras do mestre renascentista em telões de alta resolução e réplicas de suas invenções. No mesmo molde, a recém-aberta exposição sobre Candido Portinari, também no MIS, acrescentou às projeções em telões elementos como sacas de grãos de café, que aludem ao contexto de suas telas — e aromatizam o ambiente. Essas estratégias servem para tirar o visitante do posto de mero observador e levá-lo a se misturar com a obra e com o artista. “Um quadro de Van Gogh tem de 3 000 a 4 000 pinceladas, é fantástico de admirar. Na mostra imersiva, são 80 milhões de pixels e quarenta projetores a laser — algo comparável a quarenta salas de cinema”, mensura Rafael Reisman, CEO da Blast Entertainment, realizadora da Beyond Van Gogh no Brasil.
Esses projetores, que sozinhos custaram 12 milhões de reais, fazem uma complexa coreografia que delineia nas paredes e no chão 350 obras do holandês. Imagens de seus célebres retratos se posicionam lado a lado — e cada uma delas se transforma, em seguida, em seus famosos vasos de flores. A água do lago da obra Noite Estrelada sobre o Ródano (1888) se movimenta sob os pés dos visitantes, enquanto a belíssima Amendoeira em Flor (1890) perde suas pétalas ao vento. Mais que curtir Van Gogh, é como entrar no turbilhão de sua mente.
Com reportagem de Marcelo Canquerino
Publicado em VEJA de 23 de março de 2022, edição nº 2781
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