Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99
Continua após publicidade

A arte de rua virou a melhor tradução cultural da pandemia pelo mundo

Do México à Rússia, obras sobre o coronavírus preenchem o vazio das cidades com mensagens de esperança

Por Marcelo Marthe Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h36 - Publicado em 15 Maio 2020, 06h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • As cidades vazias, a desolação silenciosa entrecortada apenas pelas sirenes de ambulâncias e pela agitação na entrada dos hospitais — já faz três meses que a Itália encara essa amarga rotina na luta contra o coronavírus. Em paralelo à tragédia sanitária que ceifou mais de 30 000 vidas, contudo, uma “epidemia do bem” vem injetando cores na realidade cinzenta: a paisagem foi invadida pela arte de rua sobre a Covid-19. Em Bérgamo, cidade do norte atingida com fúria pela doença, o painel imenso na parede de um hospital retrata uma enfermeira que embala maternalmente o mapa em formato de bota da Itália. Mais ao sul, na Catânia, um artista estampou numa porta de metal a figura impávida da Mona Lisa — só que de máscara. Entre tantos exemplos, a apropriação da musa de Leonardo da Vinci se reveste de retumbante simbologia: é como se, ajudando o país a suportar o insuportável, as obras anunciassem o raiar de um novo Renascimento. O movimento, no caso, não é só italiano, mas global: do México à Austrália, da Rússia ao Senegal, a arte sobre a pandemia cobre muros e prédios como testemunha eloquente do destino que une os países sem distinção.

    artes1
    MASCARADOS - Mural que reinventa um quadro de Caravaggio (esq.) e a Mona Lisa adaptada à nova realidade: sinais de um renascimento pós-vírus (Hannah McKay/Reuters/Fabrizio Villa/Getty Images)

    + Compre o livro Banksy, Guerra e Spray

    A cada crise da história contemporânea, uma forma particular de expressão artística sai à frente na capacidade de resumir o espírito do tempo. Foi assim quando a pintura modernista de Pablo Picasso e companhia expôs o mal-estar do início do século XX, ou o cinema de Hollywood cumpriu seu papel de dar alento às massas durante a II Guerra. Em eventos mais recentes, a música popular tem sido a grande tradutora das angústias coletivas. Nos anos 60 e 70, o rock’n’roll foi a trincheira de resistência à Guerra do Vietnã. Discos como The Rising, de Bruce Springsteen, sintetizaram com agudeza a perda de certezas na esteira dos atentados do 11 de Setembro de 2001. Na pandemia de coronavírus, a música não se furta a ser novamente combativa, sob o impulso das lives e da corrida para criar canções sobre a nova realidade. Se fosse feito um instantâneo do mundo hoje, porém, o título de manifestação mais relevante iria sem dúvida para a arte de rua — por uma série de boas razões.

    artes2
    HERÓIS CELEBRADOS - A obra de Banksy exposta em hospital de Londres (à esq.), o painel ecumênico do brasileiro Kobra (acima) e o drama da saúde na visão de um artista mexicano: fé e solidariedade (BANKSY/Instagram @BANKSY/AFP/Nelson Almeida/AFP/Francisco Robles/AFP)

    + Compre o livro Banksy por Trás das Paredes

    Continua após a publicidade

    A energia vital que move os artistas urbanos nunca esteve nos museus ou coleções privadas: ela vem da rua. Com a pandemia, esse diferencial implicou legitimidade absoluta para falar do cotidiano de agora. As vias e praças, espaços tão corriqueiros, tornaram-se desertas do dia para a noite, e a arte veio não só a ocupar seu vazio chocante. Os criadores se lançam de maneira corajosa neste momento aos locais públicos para representar em forma de grafites e murais que a doença pode assustar, mas não matará a semente da convivência humana — traço que faz das cidades, afinal, um sinônimo de civilização.

    artes-3
    ENERGIA VITAL - A enfermeira encara o monstro corona no grafite vindo da Rússia: humor e ironia contra o baixo-astral (Vadim Braidov/TASS/Getty Images)

    + Compre o livro arte de Rua ao Redor do Mundo

    Mais que tudo, a força dessas intervenções vem de sua mensagem esperançosa. Há humor e ironia — como na imagem na fachada de um hospital na Rússia que mostra um coronavírus espumando como monstro diante da enfermeira que o encara com serenidade. Há farpas políticas. Num mural em Berlim, o presidente americano Donald Trump e o chinês Xi Jinping — que travam uma disputa à parte em meio à tragédia do vírus — surgem se beijando de máscara. Mas o que impera, sobretudo, é a solidariedade. Um tocante mural australiano traz um profissional de saúde carregando o peso do globo. Banksy, inglês de identidade misteriosa que é o artista de rua mais famoso da atualidade, fez um singelo trabalho que exibe um menino brincando com uma enfermeira convertida em super-heroína. A obra é feita em homenagem aos profissionais — e também como um incentivo para eles no meio da guerra: ocupa o corredor de um hospital de Londres.

    *
    IRMÃO SIAMESES - O beijo de Xi Jinping e Donald Trump: farpas políticas (John MACDOUGALL/AFP)

    Banksy produziu, ainda, uma insolente colagem que coloca ratinhos dentro de seu banheiro na quarentena, com a inscrição: “Minha esposa odeia quando eu trabalho em casa”. A pílula de sua suposta intimidade expõe um fato que só realça os feitos dos artistas na crise: como bilhões de mortais, eles estão trancados em sua residência. “A grande maioria não está pintando na rua. Quem se arrisca tem de trabalhar muito protegido”, diz Eduardo Kobra, paulistano que tem murais impressionantes espalhados pelo planeta. Ele criou no refúgio de seu estúdio, em São Paulo, o painel Coexistence, que apresenta crianças de cinco religiões com máscara. A obra mede 3,5 metros por 6,5 metros e só deve se tornar um mural urbano quando a poeira baixar. Mas, por outras vias, também leva consolo ao mundo atingido pelo vírus. A disputa por versões em serigrafia do painel suscitou um concurso que arrecadou 400 000 reais para moradores de rua da maior metrópole do país. “É um momento de ter calma, fé e esperança”, prega Kobra. Que as cores da vida prevaleçam.

    Publicado em VEJA de 20 de maio de 2020, edição nº 2687

    CLIQUE NAS IMAGENS ABAIXO PARA COMPRAR

    A arte de rua virou a melhor tradução cultural da pandemia pelo mundoA arte de rua virou a melhor tradução cultural da pandemia pelo mundo
    Banksy, Guerra e Spray
    A arte de rua virou a melhor tradução cultural da pandemia pelo mundoA arte de rua virou a melhor tradução cultural da pandemia pelo mundo
    Banksy por Trás das Paredes
    A arte de rua virou a melhor tradução cultural da pandemia pelo mundoA arte de rua virou a melhor tradução cultural da pandemia pelo mundo
    Arte de Rua ao Redor do Mundo
    logo-veja-amazon-loja

    *A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.

    Publicidade
    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

    a partir de 39,96/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.